quarta-feira, 27 de abril de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 1


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair

CAPÍTULO 1

PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:


DUDA
SINHANA
SEBASTIÃO
JERÔNIMO
JOÃO
JUCA CIPÓ
JAGUNÇO
LOCUTOR
GARIMPEIROS

LETREIRO:
RIO DE JANEIRO  -  1965

CENA 1 -  ESTADIO DO MARACANà -    EXT.  -  DIA

O Maracanã estremecia. Bandeiras rubro-negras, aos milhares, agitavam-se no imenso anel do estádio. A cada finta, a cada passe, a multidão respondia com a cadencia do “olé”! Feições transtornadas, mãos que se apertavam em desespero, na solidariedade do sofrimento. Era o Flamengo na ânsia da vitória. Em todo o campo – num eco gigantesco – a voz dos locutores brotava de dezenas de milhares de transistores. O Brasil acompanhava atento a “tortura” de seu time mais querido. Frios, os ponteiros dos relógios assinalavam os instantes finais. O Flamengo insistia. 


LOCUTOR - (off)       ...Avança o Flamengo nos minutos derradeiros da partida. O placar permanece mudo. Só a vitória interessa á equipe da Gávea... Lá vai Gérson. Domina o couro.

Ultrapassa o meio do campo. Finta um adversário. Passa por outro e estende na direita a Carlos Alberto, que entrega a Duda – a maior figura em campo... O Brasil acompanha atento a “tortura” do seu time mais querido. Frios, os ponteiros do relógio assinalam os instantes finais. O Flamengo insiste! 

O repentino silêncio foi quebrado apenas pelo locutor nervoso


LOCUTOR - (off)      ...Duda investe pelo miolo. Vence um adversário. Dois. Penetra na área. Atenção. Pode marcar....

De repente a loucura. O grito da multidão em uníssono.

LOCUTOR - (off)    “Gooooooool! Goooooooool! Do Flamengo! Duda! Duda!

Espocavam foguetes, frenéticas as bandeiras são agitadas. No gramado, um inferno.

LOCUTOR -    “Uma pirâmide humana esmaga o ídolo da Gávea... Duda chora. O juiz olha o seu cronômetro. Vai terminar a partida. Há um delírio no Maracanã, senhoras e senhores. E atenção! – terminou o jogo... Flamengo, campeão carioca de 1965!

Surdos e tamborins misturam-se aos gritos de Mengo! No gramado verde, salpicado de papéis, os rádio-repórteres investiam de microfones volantes.

REPÓRTER -       E agora, Duda? Depois do título e do gol histórico...

DUDA -    Um só pensamento. Pedir licença ao clube para ver minha mãe. Visitar minha terra e abraçar meus irmãos, que não vejo há muitos anos. É tudo o que quero.

REPÓRTER -  Senhoras e senhores, que admirável exemplo de profissional. Dono da tarde, autor do gol que deu o campeonato ao Flamengo, Duda foge de qualquer outro compromisso para voltar á sua terra, rever sua gente e sua mãezinha, numa cidade distante, no interior do país...

CORTA PARA:

LETREIRO:   COROADO

CENA 2 –RANCHO CORAGEM  -  SALA DE JANTAR  -  INT.  -  DIA

Na casa rústica de Coroado, a velha Sinhana colocava o último prato sobre a mesa de pés maciços. Num canto da parede a imagem de São José. Sobre o baú secular – herança não se sabe de quem – algumas amostras sem valor de pedras da região. O cheiro do feijão bem temperado inundava a sala onde o garimpeiro Sebastião – pele curtida, enrugada, faces esquálidas – retirava a bota enlameada e gasta.


SINHANA   -      Sabe, velho,esta noite sonhei com o nosso Duda, o ingratão.

SEBASTIÃO  -  Se preocupa não. O menino tá mais arranjado na vida que os dois irmãos, o Jerônimo e o João.

Sinhana chegou á janela. Ao longe, na linha do horizonte, o risco das montanhas arranhava o céu. O verde das árvores tingia de alegria a solidão ambiente. A velha porteira, corroída pelo tempo, fechava os sonhos de liberdade do gado tristonho, a ruminar. Ao longe, um manto de poeira levantava-se da estrada de barro batido. Num galope cadenciado, um cavaleiro se aproximava.

SINHANA  -   (sotaque carregado)  Jerome vem aí.


CENA 3 – RANCHO CORAGEM  -  EXT.  -  DIA.

Era um jovem de traços belos, cabeleira revolta, gestos agressivos e expressão sofrida. O cavalo estacou retido pela pressão das rédeas, o suor do animal se confundindo com o suor do homem. Fôra longa a esticada de Coroado ao rancho humilde e pobre.

Ligeiro o jovem saltou da sela, atou o laço num tronco de árvore e dirigiu-se á casa, agitado.

CENA 4 – RANCHO CORAGEM  -  SALA  -  INT.  -  DIA


JERÔNIMO    -         Mãe! Mãe!

SINHANA    -   Que e isso, Jerome! Que escarcéu é esse? Será que achou rubim?

JERÔNIMO    -    Não. Mãe. Tava no garimpo, não. Vim da cidade, correndo pra lhe mostrá esse telegrama que seu Zequinha, do correio, me deu. É do Duda, mãe!

SINHANA   -    (estremeceu))  Duda? Que é que diz, meu filho? Má nova?

JERÔNIMO  -    (alegre)   Que ele chega depois de amanhã!

A noticia fôra forte demais. Sinhana escorou o corpo pesado de encontro á porta de madeira, com lágrimas a estourarem de seus olhos, O pensamento voltou aos dias de outros tempos. Ao filho ausente. Nascido ali. Na natureza agreste da região. Dali partira para a cidade grande. Aprendera a arte do futebol – “tão diferente das lutas do garimpo” – e hoje, famoso – “tava nos jornais e na boca de toda gente”.

JERÔNIMO  -   Chega depois de amanhã, mãe. Parece mentira...

SINHANA  -   Tu leu direito, filho? É verdade mesmo?

JERÔNIMO  -  Então. Mãe, eu não sei lê? Olha: (lê em voz alta) “Chego trem de quinta-feira. Duda”.

Sinhana pensava nos anos de ausência do filho. Nunca  escrevera uma linha, nunca mandara notícia... e as lágrimas deslizaram incontidas pela face da velha mãe. Jerônimo se aproximou. Com rudeza levantou as pontas do avental e enxugou as lágrimas da mãe.

SEBASTIÃO   -   Deixa isso pra lá, velha. Sei porquê ta chorando, mas cada um tem seu jeito de sê.

SINHANA  -  (voltou-se para o marido)   Se alegra, Bastião. Seu filho Duda vai chegar.

SEBASTIÃO   -  Ouvi tudo, mulher. Tou alegre. Você sabe que tou. (dirigindo-se ao filho) Seu irmão já sabe?

JERÔNIMO   -   João? Inda não.

SINHANA   -   Então corre, vai dizê pra ele. Tá  no garimpo.

CORTA PARA:

CENA 2 -  GARIMPO DOS CORAGEM  -  EXT.  -  DIA

Peitos nus, tostados pelo sol, os garimpeiros catavam a riqueza. As peneiras rudes passando, mão-a-mão, num ritmo de máquina. O trançado fino deixando escapar fios cristalinos de água do rio, retendo o cascalho bruto, as peneiras rolavam ns dança das mãos. Peneira na água. Peneira no sol. De mão-para-mão. Barro no rio. Cascalho no sonho que não se acabava. Era a cata do diamante.


Jerônimo apareceu correndo.

 
JERÔNIMO  -  (telegrama na mão) João! Ô João!

O homem rijo susteve a peneira. Era um jovem másculo de peito largo, irmão Coragem de olhos negros, mãos calosas do trabalho duro de sol-a-sol. Fez sinal ao outro que esperasse. Era todo concentração no dançar das pedras. Jerônimo avizinhou-se, impaciente.

JERÔNIMO  -  Bamburrou, mano?

JOÃO  -  Nada. É um chibiu, pedrinha miúda.

JERÔNIMO  -  Olho de mosquito...

JOÃO  -   Que era que tu vinha gritando, feito maluco?

JERÔNIMO  -  Trago notícia, Jão. Chegou telegrama do Rio. Do Duda... ele vai vir depois de amanhã.

JOÃO – (virando-se risonho)  Duda? Vai vir aqui?
   
JERÔNIMO – Pode lê o telegrama, mano.

JOÃO  -  (segurando  o telegrama com a mão molhada e suja de barro)  É  mesmo. Puxa, há quanto tempo não vejo aquele sem-vergonha. Vai ser uma alegria pros velhos...

JERÔNIMO  -  Tão chorando de alegria.

JOÃO  -  (feliz) Menino, vai sê uma festança!

Dois homens se aproximavam a cavalo. Um deles, tipo estranho, de gestos afeminados, conhecido em toda a região do garimpo. Juca Cipó. Homem de feições traiçoeiras, onde a maldade se mostrava clara. Caráter formado em anos de crime contra a gente simples do garimpo. Juca era temido. Rostos sombrios, ele e o companheiro alcançaram a margem do rio. Súbito silencio quebrou a alegria dos presentes.. O próprio ar pareceu parar de repente.

JUCA CIPÓ  -  Tardes...

JOÃO  -  Tardes...

JUCA CIPÓ  -  Como vai o garimpo, gentes? Bamburrando muito?

JOÃO  -  Que o quê.... só farinhada, quando muito.

JUCA CIPÓ  -  Trago um recado do patrão procês. Do coroné Pedro Barros.

Todos os olhos se voltaram a um  só tempo.

JOÃO  -  Que recado?

JUCA CIPÓ  -  Avisar a ocês que tem gringo na cidade. O coroné manda prevenir que quem vender diamante pra eles vai se dá mal...

Jerônimo sentiu o rosto ferver. Tentou sacar da arma que descansava na bainha. Deu um passo á frente na direção do capanga. João, pressentindo a aproximação do perigo, num gesto rápido, conteve a fúria do irmão. Juca Cipó permanecia atento, o riso sarcástico na boca feminina.

JERÔNIMO – (impetuoso)  -  Pois diga lá ao “seu” coronel Pedro Barros que quem vai se dar mal é ele. Nós vendemos nossas pedra pra quem quisé.

JOÃO - Calma, Jerônimo... ( e dirigindo-se a Juca Cipó)  Este garimpo é nosso. “Seu” coronel Pedro Barros manda lá, no garimpo dele.

Impassível, acariciando a crina do animal, Juca observava a reação dos Coragens. Jerônimo apertou os olhos, nervosamente.

JUCA  -  Tá certo. Mas na hora de vendê as pedras ocês tem que vendê pra ele.

JOÃO  -  A gente sempre vende.

JERÔNIMO  -  E ele se aproveita pagando o que qué...

JOÃO  -  (explodindo) Até o dia que a gente quisé vendê a outro, porquê a gente é livre, Juca!

Juca irritou-se. Sorriu, irônico.

JOÃO – (chegando perto da montada)  Hôme, vou até lhe dizê... Tenho encontro marcado com os gringos e vou vendê minhas pedras pra eles.

JUCA  -  Pois vamos vê... O recado tá dado. O resto é com ocês. Vamo.

Juca partiu a galope seguido do capanga. Os irmãos permaneceram rígidos, como que tocados por um vento de morte. Ao longe os cavalos se perdiam numa curva da estrada. O tropel cessara.

JERÔNIMO  -  Que vontade, Jão, de dar uma surra nesse jagunço desgraçado.

JOÃO  -  Calma, mano. Nada de gastá vela com mau difunto...

João estreitou o irmão num abraço e caminhou com ele até a beira do rio.

JOÃO  -  Anda. Vem me ajudá a catá um pouco. Esta noite sonhei que estava correndo atrás de um boi.

JERÔNIMO  -  Sonhar com boi é pedra grande na certa!

JOÃO  -  E o boi era zebu.

JERÔNIMO  -  Melhor ainda.

O cascalho acumulava-se á margem do rio. Macias as águas rolavam     acariciando o fundo barrento. O ritmo da peneirada voltou a alegrar os   homens rudes e a confundir-se com a movimentação da natureza – o rio a correr, os pássaros a voar, o vento a embalar a copa das árvores. João lembrou-se do telegrama e da chegada do irmão.

JOÃO  -  Como será que ta o Duda, mano?

JERÔNIMO  -  Tá um home. É jogadô de futebol, de fama.

JOÃO  -  Vivo que ele é. Encontrou uma mina nos pés, o safado. E a gente aqui, a dá duro feito um escravo...


FIM DO CAPÍTULO 1
Duda (Cláudio Marzo), Sinhana (Zilka Salaberry), João (Tarcísio Meira) e Jerônimo (Cláudio Cavalcanti)


E NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

#  NO GARIMPO DO CORONEL PEDRO BARROS, SEUS CAPANGAS CASTIGAM O GARIMPEIRO BRAZ, ACREDITANDO QUE ENGOLIU UM DIAMANTE.

#  COROADO ESTÁ EM FESTA COM A CHEGADA DO ÍDOLO DO FLAMENGO.

#  RITINHA ESTÁ ANSIOSA PARA REVER SEU AMOR DE INFÃNCIA.

#  JOÃO CORAGEM SE IMPRESSIONA COM A BELEZA DE MARIA DE LARA, FILHA DE SEU INIMIGO, O CORONEL PEDRO BARROS.

 

NÃO PERCA O CAPÍTULO 2 DE IRMÃOS CORAGEM!!!

3 comentários:

  1. Muito bem escrito. Parabéns, Toni. Aguardo os próximos lances da novela. Seja bem vindo. Um abraço e obrigado.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, amigo! Fico feliz que tenha gostado!
    Abraço!!!

    ResponderExcluir
  3. Toni amei! A descrição de cada personagem, é ótima! Pra quem, como eu, assistiu essa novela, é um presentão, faz reviver tantas emoções! Eu gostava tanto daquelas cenas no rancho dos Coragem, e lendo esse capítulo, deu uma saudade...Vou esperar com ansiedade o próximo. Parabéns, ficou bom demais!

    ResponderExcluir