sexta-feira, 14 de outubro de 2011

IRMÃOS CORAGEM - CAPÍTULO 74


Roteirizado por Toni Figueira
do original de Janete Clair 

 CAPÍTULO 74

 PARTICIPAM DESTE CAPÍTULO:

 JOÃO
LÁZARO
MARIA DE LARA
PEDRO BARROS
JUCA CIPÓ
OTO
DOMINGAS
RODRIGO
JERÔNIMO
POTIRA
INDAIÁ

CENA 1  -  CASA ABANDONADA  -  EXT.  -  DIA.

João regressava da longa caminhada pelas regiões inóspitas do sertão. Os homens, suados, procuravam o frescor da água da cacimba. O garimpeiro saltou lépido da montaria e com movimentos hábeis aliviou o alazão do aperto desagradável dos arreios  e sela. Ajudou Lázaro a carregar o saco de mantimentos.


JOÃO  -  (gritou da porta)  Lara! A gente chegou!

Encheu uma velha bacia com a água fresquinha e preparou-se para lavar o rosto e o peito desnudo.

JOÃO  -  (tornou a chamar a esposa)  Lara! Trouxemos comida! Muita! (para si)  O que é que há com Lara?

CENA 2  -  CASA ABANDONADA  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

Subiu a escada, saltando os degraus, dois a dois. Lara não estava no quarto. Nem nos outros compartimentos. Voltou correndo. Viu Lázaro que guardava os mantimentos. 


JOÃO  –  Ela num tá lá em cima...

LÁZARO  -  Vê se tá tomando banho no rio...

CENA  3  -  MARGEM DO RIO  -  EXT.  -  DIA.

O garimpeiro partiu célere para a margem, com o pensamento na correnteza, muito forte naquele trecho. A voz de Lázaro interrompeu sua arremetida.


LÁZARO  -  Ei, João! Um bilhete! João! (balançava o papel sobre a cabeça)  Tava dentro do teu livro!

João Coragem abriu o bilhete, fechado em quatro. A letra era dela. E, como se a voz da esposa o envolvesse por inteiro, começou a ler.

MARIA DE LARA  -  (off)  “João, me perdoe. Parto com todo meu sofrimento. Tenha cuidado com você. Talvez, se se entregar á justiça por sua vontade, voltemos a nos encontrar de novo. Só há uma alternativa. Esta vida... é difícil para mim. Entregue-se para ser julgado... é só o que lhe peço. Esta decisão tem que partir de você. Eu não tenho direito de mudar o seu destino. Adeus. Sua, para sempre... Lara”.

CENA 4  -  CASA ABANDONADA  -  SALA  -  INT.  -  DIA.

João olhou o bilhete, perplexo. Não acreditava no que acabara de ler. As mãos trêmulas amassaram o papel, enquanto lágrimas indesejáveis teimavam em rolar de seus olhos. Mudo e afogueado, encaminhou-se para os lados da janela. Ao longe o sol se deitava rubro, colérico. Tenso, João voltou-lhe as costas. Em alguma parte da estrada empoeirada e barrenta, a mulher se encontrava. Acovardada. Diana não faria aquilo, pensou. E pediu a Deus que afastasse de si os pensamentos que começavam a embaralhar-se em sua mente. As palavras de Lara ressoavam-lhe no cérebro. “Entregue-se por sua vontade”. Iniciou um riso fraco, que aos poucos avolumou-se, transformando-se numa gargalhada louca, irônica. Os homens espantaram-se. João gargalhava doidamente. Desenfreadamente, confundindo o seu desvario com o nervosismo contagiante que tomara conta de todos os companheiros. Agora, todos gargalhavam, numa loucura generalizada e incontrolável.

CORTA PARA:


CENA 5  -  FAZENDA DE PEDRO BARROS  -  CASA-GRANDE  -  QUARTO DE JUCA CIPÓ  -  INT.  -  DIA.

Pedro Barros admirava, incrédulo, a cena que se abria sobre seus olhos. Juca Cipó atirado sobre a cama, chorando alto, enquanto Domingas lhe lavava o rosto, inchado e coberto de hematomas. O sangue fluia do nariz e do canto da boca. O coronel parou ao pé do leito.


PEDRO BARROS  -  Não chora! Você não é homem?

JUCA CIPÓ  -  (gemia dolorosamente)  Me batero! Me agarraro e me tocaro a mão! Tou todo doído, meu patrão! Minhas costa, minha cabeça, tudo!

Pedro Barros voltou-se e encarou o jagunço-vigia, homem atarracado, de cabelos louros e feições repelentes. A crueldade retratada na boca de lábios finos.

PEDRO BARROS  -  Quem foi que achou ele, Oto?

OTO  -  Fôro seus home mesmo. Vinham voltano do galpão de compra do diamante. Foram me chamá pra dizê que Juca tava ferido. Aí a gente trouxe logo ele pra cá.

PEDRO BARROS  -  Tu viu quem foi, Juca?

JUCA CIPÓ  -  Como é que eu podia vê? Me atacaro pelas costa. Só num me mataro porque os home vinha vindo.  Num vi. Virei os olhos com as pancada e fiquei tontinho. Arrasado, meu patrão.

OTO  -  Só num mataro ele porque os home vinha chegano. O sujeito fugiu...

PEDRO BARROS  -  (insistiu, mas desconfiado)  E ninguém chegou a ver o sujeito?

OTO  -  Não, patrão, ninguém viu! Mas só pode ser do bando do João. A gente sabe que ele anda por aí... e que ficô valentão... tirando onda de vingadô...

Pedro Barros descarregou a ira contida, ao ouvir as desculpas baratas dos asseclas, homens calejados, acostumados ao crime, veteranos nas emboscadas e nas lutas do garimpo. Levantou os punhos com as mãos fechadas. A face rubra, olhos em brasa.

PEDRO BARROS  -  Seus... seu covardes! Vocês tão com medo de João Coragem? Vá chamar esses pamonhas! Vou dar uma lição de home neles! Quero vê aqui quem é que vai corrê de João Coragem! (apontou para fora)  Reúna todo mundo no galpão!

Oto saiu ás pressas, lívido com o andar atravessado dos homens baixos.

JUCA CIPÓ  -  (grunhia)  Me batero! Nunca apanhei na minha vida!

PEDRO BARROS  -  (decidiu-se pela ironia)  O home é forte, valentão! Juca Cipó ou Juca Chorão? (olhou sério para Domingas)  Você tá fazendo dele um moleirão, Mingas! Noutros tempos ele reagia; agora apanha e chora. Virô mulhé!

O coronel cuspiu com asco e deixou o quarto, aborrecido. A mulher procurou aquietar o filho.


DOMINGAS  -  Chora não. É melhor isso do que vivê cheio de pecado.

JUCA CIPÓ  -  (chorou mais alto)  Melhó apanhá? É? Num é não!

DOMINGAS  -  Por que tá chorando tanto?

JUCA CIPÓ  -  (revelou toda a verdade)  Conta pra ninguém, não, véia! Eu sei quem me bateu. Num foi o João Coragem, não. Foi... o Braz Canoeiro!

DOMINGAS  -  E por que tu não qué que ninguém saiba?

JUCA CIPO  -  Tenho vergonha!

CORTA PARA:

CENA 6  -  CASA DO RANCHO CORAGEM  -  QUARTO DE JERÔNIMO  -  INT.  -  DIA.


RODRIGO  -  Eu creio... que não há nada que eu não saiba.

Rodrigo trazia as feições carregadas de um homem devorado pela tensão nervosa. Piscava seguidamente. Sabia que a conversa entre homens que amavam a mesma mulher, quase sempre redundava em sérios desentendimentos. Jerônimo recebeu-o, com frieza, ao mesmo tempo em que justificava sua atitude leal. Enfim, Rodrigo era o marido. O senhor da mulher a quem dera o nome.

JERÔNIMO  -  Talvez você saiba errado. Quero fazê com você um jogo limpo. Um jogo honesto. Quero me abrir com você, mais como meu amigo... do que como ... o marido da mulher de quem eu gosto.

Rodrigo fez força para conter-se diante da revelação do jovem. Nunca, antes, ouvira Jerônimo referir-se assim à mestiça.

RODRIGO  -  Você confessa?

JERÔNIMO  -  Acha que posso negar?

RODRIGO  -  Não... não se envergonha?

JERÔNIMO  -  Não, porque nem eu, nem ela, a gente num fez nada de errado, nem de pecado...

O promotor ameaçou retirar-se. Jerônimo deteve-o pelo braço. Segurou-o firme, com mão de aço.

JERÔNIMO  -  Quero tirá a má impressão que tem de nós. Má impressão de traição, que nem eu, nem ela, cometeu. Pode tá certo.

RODRIGO  -  Não quero acusar ninguém (disse,  com absoluto controle dos nervos. Não se sentia em sua voz o descontrole interior. A mágoa que o consumia)  Estou revoltado comigo mesmo, porque fui ingênuo. Não perdôo minha ignorancia, minha boa-fé.

JERÔNIMO  -  Não há nada que você pudesse ter percebido... nada de criminoso. Pelo menos... não se pode chamar de criminoso... um sentimento.

RODRIGO  -  E esse sentimento... existe há muito tempo?

JERÔNIMO  -  Eu acho mesmo que... desde que se entendeu por moça... ou desde criança, sei lá... a gente cresceu junto... vi ela criança... menina... moça.

RODRIGO  -  E por que esconderam? Por que não disseram? Isto não é uma traição?

JERÔNIMO  -  Eu sempre escondi... até de mim. Quis me convencer uma vez que gostava de outra.

RODRIGO  -  Qual a razão?

JERÔNIMO  -  Pai... pai tinha receio... de uma união entre a gente.

RODRIGO  -  Por que?

JERÔNIMO  -  A gente nunca soube... ao certo. Chegamos, mesmo a ter desconfiança de razão mais séria. Mãe até pensava que Potira fosse filha dele. Mas ele jurou, um dia, que a razão não era essa. Quando ele fez o juramento... era tarde. Você tinha aparecido, e você é o meu melhor amigo. Aí eu pensei mais em você do que em mim... e não quis estragar a sua felicidade. É essa toda a história...

Rodrigo, cabisbaixo, puxou um trago mais forte e a seguir, esmagou a guimba contra a palma da mão.

CORTA PARA:

CENA 7  -  COROADO  -  CASA DE RODRIGO  -  QUARTO  -  INT.  -  DIA.


Potira fixava um ponto qualquer da laje branca do quarto, absorta em pensamentos trágicos. Os olhos negros e grandes pareciam vidrados e só se moveram com a entrada inesperada de Indaiá.

INDAIÁ  -  Tome isto que é bom. (ofereceu á mestiça uma chávena de chá, fumegante. Procurou assunto, para tirar a jovem do estado de letargia em que se encontrava desde o encontro com Jerônimo)  Aquele colar que te dei. Cadê ele?

POTIRA  -  (sem mover o braço)  Na gaveta. Ali.

INDAIÁ  -  Acho que chegô o momento de ocê sabê a verdadeira história dele  (disse, abrindo a gaveta e retirando o adorno)  Duas contas são duas balas... mataro seu pai. Ele era um home branco, bom home. Tinha o nome de Rui Silveira. (Potira interessou-se pela conversa da índia e virou lentamente a cabeça em sua direção)  Mandei retirar as bala do corpo dele. Mandei dourar pra fazê este colar pra um dia te oferecê.

Potira apertou as balas de encontro ao peito.

POTIRA  -  Como sabe de tudo isso?

INDAIÁ  -  Eu sei. Estava lá, no momento em que ele foi assassinado. Era dali mesmo. De Goiás. Tinha deixado o lugá por uns tempo... mas tinha voltado.

POTIRA  -  (levantou-se e segurou as mãos da índia)  Conhecia meu pai?

INDAIÁ  -  Conhecia... muito. Você estava... com um ano... quando ele morreu.

POTIRA  -  (com os olhos embaçados e a voz trêmula)  Quem matô?

Indaiá refletiu, antes de revelar um segredo mantido por muitos e muitos anos. Talvez não fosse ainda o momento de contar a verdade. De reavivar um fato que o próprio tempo se encarregara de atirar no esquecimento. A índia pesou os prós e contras e se decidiu pela verdade. Doesse a quem doesse.

INDAIÁ  -  Quem matô teu pai... foi o pai de Jerônimo! Era um home forte, bravo, esperto, ativo. A doença foi que arriou ele. Antes, não era assim...

Potira quase não ouvira as derradeiras palavras da mulher. A revolta apoderou-se dela por inteiro. Num átimo estava de pé, agarrando a outra com as mãos firmes e surpreendetemente fortes.

POTIRA  -  Tá quereno me colocá contra meu padrinho! Não adianta, viu? Tá pensano que vou deixá de gostá de Jeromo, por causa da sua mentira. (os gritos podiam ser ouvidos do lado de fora da casa)  Não vou, não, tá me entendeno? Não deixo de gostá dele, nem que ocê invente a maior mentira do mundo!

INDAIÁ  -  (com as mãos postas e os olhos fitando o teto)  Deus sabe que eu disse a verdade!

POTIRA  -  Se é verdade... por que ele não cumpriu pena? Ele deixou Goiás e me trouxe para cá, pequena.

INDAIÁ  -  (sofria)  Ele não cumpriu pena, porque uma mulhé pegô cinco anos pelo crime que ele cometeu.


FIM DO CAPÍTULO 74
Juca Cipó chora, após ter sido espancado.

e no próximo capítulo...
*** Jerônimo pede Margarida em casamento.

*** Pedro Barros ofereceu um prêmio a quem trouxesse João Coragem á sua festa, na Associação dos Garimpeiros. João Coragem e sua gangue invadem o lugar, e diz ao coronel que veio pegar o prêmio pessoalmente!



NÃO PERCA O CAPÍTULO 75 DE

2 comentários:

  1. Toni, quantas revelações Indaiá tem pra fazer a Potira e que história triste! Gostei muito da cena com Juca Cipó, tão valente, mas apanhou como boi ladrão, rsrsrs. Legal! Bjs.

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  2. Tb curto muito as cenas do Juca Cipó! mais pra frente vai ter a di casamento dele, simplesmente hilária!

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