quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 4 - AUTOR: PAULO SENA

O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena


Facículo

II





Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973



O INFERNO DE UM ANJO


Capítulo IV
SEDE DE VINGANÇA


Justamente naquela tarde, no gabinete do doutor Démon, seu confidente, aquele que podia ser considerado seu cúmplice, a marquesa Renata havia se refugiado.
Ela narrava-lhe, interrompida por altos soluços, sem lágrimas, o que havia sucedido na madrugada daquele dia, no palacete de seu esposo.
- Não suporto esta ofensa, não posso abaixar a cabeça e ceder.  Não que ele me importe. Sempre me foi indiferente, mas não quero renunciar aos milhões de Fernando, nem ao lugar que me corresponde na alta-roda. Encontre um jeito de ajudar-me... O senhor que é tão astuto e não recua diante de nada!
Naquele instante, Viviana, a enfermeira, entrou no gabinete.
- Está aí uma mocinha muito bonita e bem educada, insistindo em falar com o senhor, doutor.
- Disse o nome?
- Não. É muito misteriosa e afirmou que só revelará sua identidade ao senhor.
- Pode recebê-la, vou para a sua saleta particular esperá-lo, estou tão nervosa... - disse Renata.
Um momento depois, "Flor de Amor" entrava na sala. Por trás das grossas lentes escuras, os olhos magnéticos do doutor desprenderam um clarão. Nunca tinha visto uma criatura tão gentil e tão graciosa.
- Doutor, - disse "Flor de Amor", vim saber notícias de minha mãe, que se chama Marta Aubert.
Démon empalideceu.
- Será então...
- A filha dela. Sei que minha mãe está aqui e desejo vê-la.
- Ver sua mãe? Minha filha... É que, infelizmente...
"Flor de Amor" tinha jurado ser prudente, mas bastou aquela palavra para desatar sua cólera e o rancor que guardava na alma.
- Não me diga que ela morreu! - gritou. - Seria pior para o senhor, sabe? Pois eu a vingaria e como!... Foi o bondoso Benedito que me salvou e me criou, o coitado me contou tudo! Eu quero ver minha mãe! Sei que está reclusa aqui, apesar de ela não estar louca!
Enquanto isto, Démon havia recuperado o controle dos nervos.
- Calma, menina! Benedito era um débil mental que eu suportava na minha clínica porque tive pena dele. Que interesse teria eu em conservar na minha clínica, aplicando tratamentos caríssimos a uma pessoa que não estivesse doente?
- Bem, isto eu não sei. É um mistério que o senhor terá de esclarecer... Mas compreenda, eu quero saber se minha desventurada mãe ainda está viva!
E vendo que o médico-carrasco permanecia impassível, atirou-se para ele, como uma alucinada.
- Responda-me! Seja humano! Será que o senhor não teve mãe, será que não sabe que mãe, para todo ser humano, é o que há de mais importante?
- Sua mãe está viva - declarou, friamente, o terrível doutor.
"Flor de Amor" escondeu o rosto nas mãos, com um gemido de alegria.
- Louvado seja Deus! - murmurou.
E o malvado Démon continuou:
- E se ela está viva, é graças somente aos meus cuidados, à minha piedade, à minha dedicação por ela. Está passando bem e às vezes pergunta por você.
Maria "Flor de Amor" tremia de emoção e de júbilo. Já começava a se arrepender de ter sido tão dura com aquele indivíduo.
- Leve-me onde ela está, por favor... Leve-me, depressa! Oh, minha mãezinha querida!
O doutor Démon lhe pôs a mão no ombro e ela estremeceu àquele contato.
- Tenha paciência, minha filha! Uma emoção forte poderia matar sua mãe! Tenho de prepará-la aos poucos! Eu é que sei o que lhe devo dizer, para que a sua razão, já tão delicada, não vacile de novo! Espere-me aqui, sem nervosismos. Não terá de esperar muito tempo. Daqui a pouco poderá abraçar sua mãe.
O médico deixou Maria "Flor de Amor" quase apalermada de tanto contentamento. Saiu da sala, fechando a porta com chave e entrou na saleta onde Renata o esperava.
- Minha cara marquesa - disse, Démon - estamos atravessando um período de pouca sorte. As coisas se complicam para nós.
- Que aconteceu de novo?
- Sabe quem é a jovem que veio procurar-me? A filha de Marta Aubert. Ela soube de tudo através de Benedito e quer ver a mãe.
Renata cambaleou. O novo golpe era muito forte para ela.
- Estamos perdidos! - balbuciou. - Penso que não temos mais salvação!
Démon continuava impassível.
- Não fale assim. Nem eu nem a senhora somos pessoas que se dêem por vencidas facilmente... Lutaremos até o fim, custe o que custar!...
De repente, passou um clarão pelos olhos de Renata.
- Démon. - disse - meu marido vai procurar a filha dele por toda parte... Ele faz questão absoluta de encontrá-la...
- Justamente o que eu estava pensando. Essa criatura pode tornar-se, se você quiser, o instrumento da vingança contra seu marido...
- Ela tem mais ou menos a idade da minha Denise – continuou Renata. - E Fernando ignora que eu tive um filho de André de Saint-Evremont antes de casar com ele. Todos ignoram isto, menos o senhor.
Démon a segurou por um braço.
- Vamos lá dentro, marquesa. Como pode ver, nada ainda está perdido!
Um instante depois, Renata entrava no gabinete onde, presa de mortal ansiedade, "Flor de Amor" esperava. O doutor Démon a seguia.
- Maria "Flor de Amor", minha filha!... Até que enfim! É você mesma? Meu tesouro, minha querida! - exclamou Renata com fingida ternura.
"Flor de Amor" ficou de pé. Seu coração parecia querer estourar, no peito. Sentiu gelar o sangue nas veias... Recuou, como para impedir que aquela mulher se aproximasse e a tocasse, depois disse, lentamente:
- A senhora não é minha mãe.
A marquesa empalideceu, desconcertada.
- Que está dizendo?! Maria, não me reconhece mais!
- Não, a senhora não é minha mãe. Meu coração me diz que a senhora é uma fingida. A senhora deve ser a odiosa e cruel inimiga de minha pobre mãe!
- Que disparate está dizendo! - Você está louca! - interveio Démon, com energia.
- Não, não me fará acreditar... Que não é verdade! Não dirá de mim que sou louca, como disse de minha mãe...
Precipitou-se para a porta, gritando:
- Mamãe, mamãe!... Estou aqui... Sou a sua filha!... Vim buscá-la!
Renata rangia os dentes.
- Víbora maldita, hei de esmagá-la como esmaguei sua mãe!... - esbravejou.
Démon agarrou a jovem pelos braços, enquanto a horrenda e gorda Viviana, ainda mais repugnante com o correr dos anos, aparecia na porta.
- Esta coitada teve uma crise de nervos - disse o doutor Démon, pondo nas garras da megera a infeliz jovem, que se debatia gemendo e chamando por Luís Paulo - temos de aplicar-lhe imediatamente uma injeção calmante.
- Tebasol, doutor?
- Uma boa dose de morfina será melhor.
Não houve mais necessidade de lutar. Maria "Flor de Amor", extenuada, desmaiou. Enquanto isto, Démon havia agarrado a bolsa que, a pequena deixara cair e, dela tirou uma carteirinha e a abriu, revistando seu conteúdo.
- É o que eu imaginava - disse. - Aqui estão os documentos provando que ela é filha de Marta Aubert.
A marquesa Renata os apanhou.
- Essa pequena escolheu sua sorte, doutor Démon. Ela não me quer para mãe, pior para ela! Este documento servirá para a minha secreta filha Denise. Ela se fará passar por filha de Marta Aubert, será condessa e milionária, terá tudo o que eu não lhe pude dar e que agora perdi. Esta será a minha vingança!
Luís Paulo esperou longas horas junto do portão. Quando a noite desceu, preso de mortal ansiedade, ele compreendeu que algo grave deveria ter acontecido com a jovem "Flor de Amor". Que fazer? Entrar na clínica e perguntar por ela, como um simples visitante, talvez não adiantasse nada... Haveria sempre um muro de ferro entre ele e a verdade. Avisar a polícia, talvez fosse pôr em perigo àquela gentil criatura que lhe tinha inspirado intenso amor à primeira vista. Era preciso espionar, penetrar naquela casa sinistra de loucos, de modo a não provocar suspeita... E uma súbita ideia amadureceu no cérebro de Luís Paulo de Rastignac. Saltou para o cavalo e voou para casa. O pai o acolheu um pouco asperamente, devido ao seu atraso, mas logo Luís Paulo o pôs a par do sucedido. O velho barão de Rastignac não o julgou estúpido, nem tolo pelo que pretendia fazer, aprovou sua coragem e sua dedicação a uma jovem criatura indefesa. O projeto do filho era quase absurdo, mas ele não insistiu para que não o pusesse em prática. Havia anos que conhecia Démon como sendo um médico implicado em mil estórias escusas. Se ninguém havia conseguido desmascará-lo, ele e seu filho, o bonitão e galhardo oficial Luís Paulo, o conseguiriam. Uma hora depois, o barão Ernesto de Rastignac tocava a campainha do portão da clínica. O doutor Démon conhecia bem o velho fidalgo e se apressou em recebê-lo. O barão quis falar a sós com o médico dos loucos. Disse que havia notado em seu filho muitas estranhezas, uma melancolia que se ia agravando cada vez mais e um conjunto de anomalias que o preocupavam.
- Poderia mantê-lo em observação por algum tempo... Quem sabe uns oito dias... Para estudar devidamente o seu caso. Sei que o senhor é muito bom médico... Deixo-o em suas mãos, doutor. O rapaz aceitou vir comigo, mas não percebe a gravidade do seu estado. Não o assuste, por favor.
Tirou do bolso o talão de cheques e escreveu uma bela soma. O doutor Démon fez um costumeiro gesto nervoso, quase um tique, que não podia evitar quando via dinheiro, a sua sórdida paixão.
- Fique sossegado, barão - afirmou solícito. - Seu filho está em boas mãos. Logo que seja feito o diagnóstico, eu prescreverei o melhor tratamento para restabelecer o equilíbrio de seu sistema nervoso.
Meia hora depois, Luís Paulo era fechado num compartimento que parecia uma cela. Mas não estava receoso. Pensava com intensidade na linda Maria "Flor de Amor". "Meu bem, não tenha medo, eu estou aqui, perto de você. Não a abandonarei mais..."

4 comentários:

  1. Paulo, que drama! Pobre Flor de Amor, ingênua como a mãe, como vai sofrer! Luis Paulo, irá conseguir ajudá-la? E que pessoas do mal esse Dr, Démon, Renata e Viviana! Que história!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Maria do Sul, você é a minha alavancadora de questões que chamam o leitor para os próximos capítulios.Teremos muitas emoções pela frente.
      Só quero frisar que não sou eu o autor do folhetim, apenas o digitalisei e o atualizei e estou repassando para vocês.

      Excluir
  2. Paulo, a história está eletrizante. Muito bom!

    ResponderExcluir
  3. Muito bom, Paulo! Essa Henriette de Tremiére, a autora, é danada! Que criatividade! Muito curioso pra ver o que vai acontecer!

    ResponderExcluir