domingo, 19 de agosto de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 5 - SEGUNDA PARTE E CAPÍTULO 6 - PRIMEIRA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena


Fascículo

III





Rev. G.H. 1343
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL
maio 1973



O INFERNO DE UM ANJO


Aquelas afetuosas palavras tiveram o poder de devolver o controle de seus nervos ao conde que, apertando a mão da jovem, respondeu afetuosamente:
- Obrigado, obrigado, minha amiga. Talvez tenha razão. Quem sabe ainda está em tempo de que eu possa pôr um termo às penas e amarguras de minha inesquecível Marta.
E voltando-se novamente para a velha, perguntou:
- Disse, então, que achou este anel ontem, numa cela da clínica Démon, não é verdade? - indagou Fernando.
- Sim, isto mesmo... - respondeu Sinforosa.
- E está bem certa de que a tal cela está ocupada por uma senhora que se chama Marta?
- Certíssima, senhor! Eu a vejo todas as semanas e já a conheço há muito tempo!
- Agradeço as informações - disse o conde, dando ainda mais dinheiro àquela mulher.
A velha, não podendo ocultar seu contentamento por ganhar em tão pouco tempo um bom punhado de notas, feliz por ter-se safado tão bem, já que tinha sido apanhada vendendo uma joia que não era sua, apressou-se a sair, depois de saudar a todos os presentes.
Então Fernando, que havia guardado o anel no bolso, voltou-se para o joalheiro e disse:
- Eu desejo tornar a comprar a pulseira que esta moça lhe vendeu há pouco. Quanto lhe devo? Faça a conta, por favor, tenho muita pressa.
Quando recuperou a pulseira, o conde Fernando saiu da loja, seguido de Flora, que não cessava de agradecer a sua generosidade.
Na rua, o fidalgo, parecendo muito nervoso e exaltado, despediu-se da jovem, dizendo:
- Perdão por ter de deixá-la tão depressa, mas fique certa de uma coisa: tenho motivos muito graves, dos quais depende a felicidade de toda a minha vida. Dê-me o seu endereço, por favor, será para mim uma grande alegria, se puder fazer alguma coisa pela filha do doutor Sardon!
Ainda estava um pouco assustada, quase incrédula pelo que lhe estava acontecendo. Passado um instante, Flora Sardon se viu sozinha na calçada, enquanto o conde com passos rápidos se distanciava dela.
- Oh, minha inesquecível Marta, mulher da minha vida... Até que enfim torno a encontrá-la! Minha conduta para com você é imperdoável... Mas prometo que de hoje em diante tudo há de mudar!...Eu vou viver só para você! Deus se apiedará de nós dois e você recuperará a saúde mental, minha querida!... Será tratada pelos maiores médicos do mundo... Marta, meu único amor... Você ainda se lembrará de mim?... A loucura não lhe terá tirado ou alterado a memória? Minha imagem não terá se apagado no seu coração?

Capítulo VI

O TÚMULO DOS VIVOS

O doutor Judas Démon, fechado em seu gabinete, refletia sobre o que a marquesa Renata lhe havia relatado, quando uma enfermeira lhe anunciou a visita de um senhor que desejava dizer somente a ele o próprio nome.
O médico dos loucos, habituado a certas estranhezas dos seus clientes, não se espantou por aquilo e, vestindo o avental branco que havia tirado, sentou-se atrás da escrivaninha coberta de fichas clínicas, ordenando que o desconhecido fosse introduzido. Um instante depois, a porta se abria e, no seu vão, aparecia o conde Fernando, que Démon conhecia de vista. O médico estremeceu e só mediante uma grande força de vontade conseguiu impor-se a calma e dizer com voz tranquila, como convinha a um homem que exercia a sua profissão:
- Esteja à vontade, por favor. Em que lhe posso ser útil?
- Eu sou o conde Fernando Chanteloup e desejo saber notícias de uma paciente que, segundo soube, encontra-se internada em sua clínica.
- Perdão, mas não sei a quem se refere - disse traiçoeiramente o psiquiatra, convidando o visitante a sentar-se.
- Que eu saiba, entre os meus pacientes não há pessoas que mereçam o interesse de alguém tão importante quanto o senhor.
- A pessoa da qual falo, chama-se Marta... Marta Aubert - disse com voz pouco firme o conde, não conseguindo disfarçar completamente a sua emoção, mas olhando fixamente para o médico.
No rosto de Démon, no entanto, não apareceu o mínimo sinal de surpresa. Só quem o conhecesse muito bem conseguiria perceber em seu olhar um brilho quase diabólico.
- Marta Aubert? - exclamou logo em seguida Démon, fingindo-se muito admirado. - Que estranho! Nunca imaginei que o que essa doente se obstinava a contar fosse verdade! Ela dizia que o senhor conde havia estado loucamente enamorado dela, mas que depois a abandonara por outra! O senhor compreende... Pensei que se tratasse de uma idéia fixa, própria da esquizofrenia que ela padece, afinal de contas...
Fernando baixou a cabeça e afirmou:
- Infelizmente, Marta disse a verdade.
- Sinto muito, sinto sinceramente, conde! Por outro lado, não era esta a sua única idéia fixa... Muito me esforcei para devolver-lhe a saúde mental, mas, infelizmente, até agora não o consegui.
No rosto do conde, ainda muito bonito, apesar de sulcado por prematuras rugas, refletia-se a dor atroz que seu coração sofria.
Como Fernando permanecera mudo, Démon se levantou de trás da escrivaninha e, aproximando-se dele, acrescentou:
- Garanto-lhe que fiz tudo o que dependia de mim, mas, às vezes, a ciência tem de confessar-se impotente, diante do progresso inexorável de um mal. A loucura que Marta Aubert padece, revela-se incurável!
- Não, não! - exclamou Fernando, cerrando os punhos até fazer as unhas penetrarem na carne. - É demais... Horrível demais...
Mas o maléfico doutor, mal disfarçando um sorriso satânico diante da dilacerante dor do homem apaixonado, repetiu, fingindo um desolado ar circunstancial:
- Não tenha dúvidas. O cérebro de Marta Aubert está irremediavelmente transtornado.
Fernando escondeu a cabeça entre as mãos, aniquilado. Passado um pouco, procurando reagir como homem ao esmorecimento que o assaltara, perguntou:
- Como foi que o senhor internou Marta em sua clínica?
O doutor Démon o olhou fixamente por um instante, de trás das grossas lentes que lhe cobriam os olhos, depois disse, com ar profissional:
- Por favor, prezado conde, eu lhe aconselharia a não se atormentar, escutando a narração de tristes pormenores. Mas, se desejar, poderá entrevistar-se com essa doente.
- Oh, sim! Não desejo outra coisa - apressou-se a dizer Fernando.
- Então, faça a gentileza de aguardar alguns minutos aqui, no meu gabinete, enquanto vou tomar as necessárias disposições.
E sem esperar resposta, Démon saiu do gabinete, entrando na sala ao lado, mas não desprezando a precaução de fechar cuidadosamente a porta atrás de si.
Sentada numa ampla poltrona, com as belas pernas cruzadas, fumando nervosamente um cigarro, esperava uma elegantíssima senhora.
- Marquesa Renata - disse em voz baixa o doutor - já está de volta?
- Não está vendo? - respondeu grosseiramente a interpelada. - Ei, que há doutor? Hoje está mais pálido e preocupado do que de costume, hem?
- Acha, não é? - riu sarcástico o satânico indivíduo. - Minha bela senhora, se soubesse o que eu sei, não ficaria nada tranquila.
- Deixe os seus tons misteriosos para os seus clientes desequilibrados! - retorquiu com aspereza a marquesa. - Que está acontecendo hoje, neste maldito manicômio?
Démon lançou uma olhadela para trás de si, depois, pondo um dedo nos lábios, disse, num sopro:
- Não grite! Do outro lado, no meu gabinete, está... Seu marido, Fernando Chanteloup!
O rosto de Renata contraiu-se numa expressão de total espanto. Depois ela se pôs de pé, olhou em volta de si, desorientada, e em seguida dirigiu-se correndo para uma porta que se abria do lado oposto àquela pela qual havia entrado o perverso proprietário do sanatório. Mas o doutor Démon com dois passos a alcançou e comprimindo-lhe a boca com a mão, sussurrou:
- Mulher estúpida! Pare! Que pensa que vai fazer? Quer estragar tudo?!
Com um gesto brusco, a marquesa se livrou dele e, com os olhos fora das órbitas pelo medo, esbravejou:
- Não seja louco! O senhor é pior do que aqueles que pretende curar... Será que não percebe, então? Por que pensa que meu marido veio até aqui? Deve ter sabido de tudo! E vai querer a filha!... E se me encontra, não hesitará em matar-me! Vai matar o senhor também! O senhor não conhece Fernando! Vai ficar uma fera! Que fazemos, agora?...
- Não fazemos nada - respondeu o médico infernal - porque o conde não sabe de nada... Fique tranquila, marquesa. Ele não imagina o que foi feito da filha. Por enquanto, está procurando apenas por Marta.
- Marta?!... Como pôde saber que ela estava aqui? Eu lhe havia dito que ela morreu!
- É a única coisa que não sei - resmungou o doutor. - De todo modo, não temos nada a temer. Pobre conde! Dá-me a impressão de uma mosca se atirando sozinha numa teia de aranha!
A marquesa, subjugada, quase hipnotizada pela força maléfica que se irradiava do maldito Démon, murmurou, incerta:
- E agora? Que pretende fazer?
- Entregarei Marta a ele, naturalmente. Ele sabe que ela está aqui, repito, e não me posso opor ao que deseja de modo algum. O homem é capaz de envolver a polícia nisto!
- E se Marta falar?
O médico dos loucos sufocou uma risada cruel, satânica.
- Ah, ah, ah! Depois dos tratamentos de choque que empreguei com ela? Não subestime a minha capacidade profissional! O cérebro dela está aniquilado! Ela não entende mais nada, não sabe explicar mais nada! É uma morta-viva!
A marquesa Renata, apesar de toda a sua maldade e perfídia, não pôde deixar de estremecer. Mas logo se recobrou e perguntou um pouco mais tranquila:
- Tem certeza, então, de que não pode acontecer nada de desagradável? Se Fernando soubesse que fui eu que forjei toda essa intriga...
Démon riu escarninho, satisfeito, regozijando-se com sua própria façanha. .
- Eu disse que ele não saberá de nada! Por outro lado, - ajuntou - nem todo mal vem para prejudicar. O conde Fernando, se quiser de volta a amada, terá de pagar a conta bastante "salgada" de vários anos de internamento na minha clínica... Eu estava mesmo precisando de uns milhões! E a senhora também, não é verdade?
- Isto é certo! - admitiu a marquesa. - O patife me deixou sem nada! Mas ele se arrependerá... E se arrependerá amargamente!
- A senhora o odeia, não? - perguntou Démon sorrindo, como se o ódio, para ele, fosse um sentimento indispensável à natureza humana.
A marquesa crispou os dedos de unhas escarlates, como se quisesse dilacerar uma presa invisível.
- Se eu o odeio? Hei de fazê-lo derramar lágrimas de sangue ao me vingar dele! Quero vê-lo agonizante aos meus pés, para ter o gosto de rir na cara dele!... Idiota, estúpido puritano! Enxotar-me como se eu fosse a última das mulheres, só porque me surpreendeu com outro!... Vá, doutor Démon, vá! Vou abrir uma fresta da porta para olhar. Quero gozar o desespero dele... Quero rir da dor que lhe dilacerará a alma! Vamos, vá logo! Mostre-lhe a sua bela Marta! Estou aflita para observar a cara dele, quando a vir!
Sozinho no gabinete do doutor Démon, Fernando sentia o coração saltar-lhe no peito, de impaciência e excitação. No profundo silêncio daquela clínica, túmulo de vivos para tanta gente infeliz, a maior parte da qual nem imaginava estar entregue aos cuidados de um verdadeiro carrasco, em vez de um médico como os outros, o conde escutava a voz acusadora da sua consciência.
Na ignorância de grande parte das perversas ações cometidas por aquela que durante tantos anos havia sido sua esposa, responsabilizava-se pelas desgraças que haviam atingido a desventurada e inocente Marta. Como teria transcorrido diversamente a sua existência, se tivesse acreditado no que ela havia dito, em vez de deixar-se enganar pela astúcia da pérfida Renata!
Estava ainda mergulhado nesses tristes pensamentos, quando a porta se abriu e entrou o doutor Démon, ostentando no rosto hipócrita uma máscara de cortesia.
- Desculpe se o fiz esperar, conde - disse, sentando-se novamente atrás da escrivaninha. - Marta Aubert, neste momento, está na enfermaria, tomando uma injeção que corresponde a um tratamento que eu lhe prescrevi, tentando mais uma vez fazê-la recuperar o uso da razão. Enquanto esperamos, se não tiver nada a opor, posso contar-lhe como foi que ela chegou à minha clínica, se o deseja saber...
- Sim, doutor, faça-me o favor! - respondeu logo Fernando. - Embora eu saiba, antecipadamente, que para mim a sua estória será uma verdadeira tortura...
"A marquesa Renata! terá com isto o maior dos prazeres", pensou Démon, satisfeito, "e eu, por meu lado, farei tudo para aguçar os padecimentos deste austero fidalgo!"
- Procurarei ser o mais breve possível - afirmou Démon. - A coisa foi assim, conde: vamos remontar há uns dezessete anos atrás. Naquele dia, depois de ter participado de uma conferência médica, na cidade, eu ia voltando para a clínica, na minha carruagem, quando, passando pela ponte, avistei uma mulher querendo saltar do seu parapeito. Naturalmente, mandei o cocheiro parar, mas não tive tempo de abrir a porta do carro, porque a mulher quando me viu deu um salto e se deixou cair nas águas profundas e na corrente traiçoeira do rio, imediatamente saltei do carro e avancei correndo pela margem, com a intenção de socorrer a infeliz. Jogar-me na água, naquelas condições, seria loucura, porque, dado o ímpeto da correnteza, também eu seria logo envolvido. Enquanto isto, o corpo da mulher aparecia e desaparecia, com intervalos cada vez maiores...
Interrompeu-se por um instante e olhou o conde Fernando por baixo das lentes para ver que impressão lhe fazia o seu dramático relato. O rosto muito pálido do outro e o tremor evidente de suas mãos, o tranquilizaram inteiramente a respeito da sua capacidade de dilacerar um coração já a sangrar, com uma estória inventada na ocasião. Prosseguiu:
- Felizmente, quando eu já perdia as esperanças de poder fazer alguma coisa pela criatura que se afogava, avistei uma canoa retida na margem e, ajudado pelo meu cocheiro, empurrei-a para a água. Começamos a remar vigorosamente, fazendo o possível para que a canoa não virasse. Enquanto isto, havia descido a noite e uma forte chuva começava a cair, diminuindo muito a visibilidade. Apesar de tudo, não perdemos a coragem, sustentados como estávamos pela vontade de salvar a infeliz e, depois de inauditos esforços, conseguimos chegar junto dela. Sem perder um segundo, eu me debrucei na beira da canoa e agarrei por um braço a mulher que, levada pelo instinto de conservação, debatia-se ainda entre os redemoinhos. Mas, percebendo que a ajudávamos, ela começou a gritar, com voz estrangulada: "Deixem-me! Eu quero morrer! Deixem-me!" Naturalmente, eu não lhe dei atenção e depois de ter-me arriscado várias vezes a cair também na água, consegui puxá-la para dentro da canoa e deitá-la no fundo, meio desfalecida. Apliquei logo a respiração artificial e fiz o que pude para que ela expelisse a água que havia engolido. A coitada começou a gemer, após abrir os olhos disse-me com acento patético: "Deixe-me morrer! Não quero que meu filho nasça neste mundo horrível. Ele deve morrer comigo!"
Fernando ouvia com os punhos espasmodicamente crispados, os olhos cheios de lágrimas, enquanto um sorriso de cinismo pendia literalmente dos lábios do doutor Démon, que se rejubilava com sua própria maldade.
- Não fizemos caso daqueles protestos - continuou a contar o médico, fingindo não notar o sofrimento do conde - e enquanto eu vigiava para que ela não tentasse atirar-se novamente no rio, o meu enfermeiro levou a canoa para a margem. Ajudado por ele, carreguei a mulher até a carruagem e a trouxe para a minha clínica, onde lhe dei todos os cuidados clínicos necessários. Quando finalmente, a vi calma dormindo, fiquei satisfeito comigo mesmo e com a boa obra que havia feito. Julguei que no dia seguinte ela estivesse quase que completamente recuperada, mas, infelizmente, quando a visitei, notei que ela dava sinais evidentes de demência. De fato, poucas horas mais tarde, uma loucura furiosa declarou-se nela e para evitar que espatifasse o crânio contra as paredes, como por várias vezes tentou fazer, fomos obrigados a aplicar-lhe a camisa de força... E amarrá-la ao leito.
- Que horror! - exclamou Fernando, segurando a cabeça entre as mãos, desesperado. - Uma camisa de força, aplicada a Marta, uma criatura tão meiga, tão delicada! E tudo por culpa minha, por que, cego pelo ciúme, eu a abandonei!
-Tenha calma, conde, por favor - exortou Démon, mal contendo um sorriso zombeteiro. - Se eu soubesse que o drama dessa pobre criatura iria transtorná-lo tanto...
- Tem razão, desculpe-me - murmurou Fernando, fazendo um tremendo esforço para se dominar. - E depois, que aconteceu?
- Tivemos de mantê-la sob cerrada vigilância, para que não tentasse novamente matar-se. Enquanto isto, eu a fiz objeto de toda sorte de cuidados, valendo-me das mais modernas descobertas da ciência, tentando fazê-la voltar à razão. Os resultados foram nulos. De fato, ela sofre de uma loucura incurável! Esporadicamente, ela atravessava fases de relativa lucidez e foi no decurso de um período destes, que se tornaram cada vez mais raros, que eu vim a saber o nome dela. Disse-me que havia amado um homem, nobre e riquíssimo, que em seguida a abandonara sem preocupar-se com o filho que estava para nascer.
Fernando havia escutado a última parte da narração com a cabeça baixa, para esconder ao menos um pouco a dor que experimentava. Quando o doutor Démon acabou de falar, ele disse, com voz quase imperceptível:
- Sim... Fui um infame em deixá-la daquele modo... Mas juro, doutor, que se abandonei Marta, foi apenas por causa da vil maquinação de uma outra mulher, uma criatura perversa, com quem tive a desgraça de casar e que nunca a amaldiçoarei o bastante!
- Compreendo, conde - disse hipocritamente Démon - deve ser medonho sabermos que somos responsáveis pela destruição da vida de quem amamos.
- É verdade! Desde que compreendi ter cometido esse erro imperdoável, venho sofrendo as penas do inferno! Mas agora não quero afligi-lo mais tempo, com a descrição do meu estado de espírito, doutor. Saiba apenas que lhe serei eternamente reconhecido pelo que fez por Marta. E diga-me, agora. A quanto montam as despesas que teve com ela, durante todo este tempo? Não tenha receio, eu sou rico e mesmo que tivesse de gastar até meu último centavo, não me importaria mais agora. Daria de bom grado tudo o que possuo, para que a minha querida Marta ficasse curada!
Démon exultava e a chama da estupidez tornou a brilhar em seus olhos, quando viu Fernando puxar o talão de cheques. Todavia, a princípio fingiu esquivar-se, dizendo:
- Não é preciso pagar-me, conde! Eu prestei meus cuidados a esta criatura e a conservei na minha clínica somente pelo humano desejo de fazer o bem e por amor à ciência! De modo nenhum eu pensei em ganhar dinheiro...
Fernando, comovido, estendeu sua mão branca e aristocrática e, apertando a outra, gelada e úmida, do médico dos loucos, insistiu:
- Doutor, o senhor já fez até demais por essa infortunada, não posso permitir que, depois de ter prodigalizado a sua ciência de psiquiatra vá sofrer um prejuízo material, deixe que também eu faça alguma coisa por Marta. Permita que, reembolsando-o dos seus gastos, eu possa atenuar um pouco o remorso que me tortura a alma...
- Bem, se assim o deseja... - apressou-se a concordar Démon.
E disse uma quantia que assustaria qualquer um que fosse menos rico de que o conde Fernando.
Mas este, aturdido, nem lhe fez caso e se apressou a preencher o cheque, que o doutor embolsou com evidente satisfação, enquanto o conde, completamente ludibriado pela farsa que estava sendo representada, praticamente convencido de ter diante de si um benfeitor da humanidade, e não um monstro de crueldade e perfídia, pronunciava mais frases de agradecimento.
Assim, acomodado convenientemente o lado financeiro do caso, Démon disse:
- E agora, se estiver suficientemente calmo, posso chamar aqui Marta Aubert...
O conde limpou com um lenço o suor gelado que lhe cobria a testa.
- Sim - respondeu, com voz embargada - quero vê-la... Tenho de vê-la! Não se preocupe comigo. A primeira emoção já passou, estou forte, agora.
O médico fez soar uma campainha e à enfermeira, que não tardou em acudir, Démon ordenou:
- Traga a senhorita Marta Aubert ao meu gabinete.
Em seguida, acrescentou, dirigindo-se a Fernando:
- Prepare-se para assistir a um espetáculo bem doloroso, conde. O senhor conheceu essa criatura quando ela estava no viço da juventude, no auge da beleza. Infelizmente, não resta quase mais nada daquela de outrora. Agora, ela é como um corpo sem alma, uma sombra, apenas daquela que foi.
Démon endireitou o corpo magro e com o seu andar de raposa, aproximou-se da porta que dava para o corredor. Ficou por um momento com a mão apoiada na maçaneta, como que gozando por antecipação o prazer de mostrar o farrapo humano que, com sua crueldade, havia sabido fazer de uma tão bela criatura.
Depois, abriu a porta, exclamando:
- E aqui está Marta Aubert!

5 comentários:

  1. Paulo, que drama! Esse Dr. Démon é realmente um demônio, cheio de maldade! Pobre Marta, que situação triste! E Fernando, como é ingênuo, acredita em tudo que lhe contam! Flor de Amor vai continuar lá, sofrendo como a mãe? Que mulheres sofredoras! É uma história eletrizante! Bjs.

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  2. Brigado Maria... é somente o começo.
    Um grande abraço.

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  3. O Dr. Judas Démon faz jus ao nome, é mesmo um demônio traiçoeiro. É daqueles vilões clássicos que só tem um lado mau. Vamos ver o que mais ele e sua cúmplice vão aprontar... Muito bom, Paulo, uma história cheia de sobressaltos e reviravoltas como deve ser um folhetim. Obrigado pela dedicação ao enviar os capítulos. Parabéns pela iniciativa!

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  4. oi , meu nome é cecília, tenho 14 anos e gosto muito desse tipo de história. gostaria que você enviasse todos os capítulos completos para mim. se for pago, quanto custa? eu espero com ansiedade a sua resposta.

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    1. Cecília, quem manda os capítulos desse folhetim para o nosso blog é o Paulo Sena. Ele pode te enviar os capítulos completos sim. Entre em contato com ele pelo email: sena682@hotmail.com. Obrigado pela visita e pelo comentário. José Eugênio (blog Biscoito, Café e Novela)

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