quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 6 - SEGUNDA PARTE - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO
DE UM ANJO
Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge


Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena


Fascículo

III





Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL

 
Um grito de dor e assombro seguiu as palavras do médico infernal. Fernando, com o rosto crispado num esgar de indizível sofrimento, fixava com os olhos esbugalhados a mulher que havia aparecido no vão da porta!
O médico dos loucos, o perverso cúmplice da marquesa Renata, havia preparado de propósito àquele ingresso, para causar o máximo efeito. Sua índole perversa divertia-se ferindo ainda mais o coração do conde Fernando.
Adiantando-se vagarosamente, Marta, agora uma pobre demente, vestindo um roupão branco que lhe dava aspecto espectral, entrou no gabinete, diante do olhar perplexo do seu Fernando.
Seu corpo, que foi estupendo quando ela estava na flor da juventude, haviaemagrecido assustadoramente, devido aos jejuns forçados que a satânica maldade do doutor Démon lhe havia imposto. O rosto, que foi encantador agora estava descarnado e de uma palidez cadavérica.
Só se conservavam ainda a antiga vitalidade, como testemunhas de uma apagada beleza, nos grandes olhos resplandecentes, azuis como o céu, nos quais, porém, não se lia nenhuma expressão.
Fernando, de pé em frente a ela, respirando com dificuldade, estava incapaz de prenunciar uma palavra que fosse. Naquele momento, se tivesse uma arma qualquer, não hesitaria em usá-la contra si mesmo, a fim de acabar com o tremendo remorso que o atormentava, convencido de ser culpado da destruição daquela criatura sem salvação.
O verdadeiro responsável por tudo, com as mãos enfiadas nos bolsos do avental, observava a cena, satisfeito, sem que seu coração de pedra fosse tocado pela compaixão.
Mas, fingindo-se compadecido, aproximou-se do conde e lhe sussurrou ao ouvido:
- Eu o avisei da terrível impressão que o senhor ia sofrer. Seja forte, agora! Diga-lhe alguma coisa, dirija-lhe ao menos uma palavra afetuosa. Ela, apesar de sua demência, comove-se com grande facilidade e talvez não tarde em ter uma de suas crises.
O fidalgo limpou o suor gélido que lhe cobria a testa. Depois, segurando, entre as suas, as mãos descarnadas da coitada, sem que ela fizesse nenhum gesto para se retrair, perguntou, com ternura:
- Marta, não me reconhece? Sou eu, Fernando...
Nenhuma resposta. A louca o olhou com indiferença, sem demonstrar ter entendido. Enquanto isto, por uma porta entreaberta, a marquesa Renata assistia a tudo, regozijando-se com a tortura de Fernando. Como era delicioso, para ela, o acre sabor davingança! Démon soube trabalhar bem, não restava a menor dúvida!
Ignorando ser o objeto de tão maligna observação, Fernando insistia desesperado, incapaz de crer em seus próprios olhos:
- Marta... Marta! Olhe para mim! Não se lembra, então? Eu sou o seu Fernando! E eu a adoro, como naquele tempo em que fomos felizes!
Mas em vão o conde esperou a resposta. Seu nome, que outrora bastaria para fazer palpitar o coração da jovem, agora não lhe produzia mais nenhum efeito.
- Meu bem, meu amor! - exclamou ainda Fernando, abraçando a louca. - Volte a si, querida! Não me vê? Estou muito arrependido e lhe peço perdão! Estou disposto a sacrificar a minha própria vida para fazer a sua felicidade. Fale!... Olhe para mim! Diga que me perdoa...
De repente, a louca desatou numa risada histérica, soluçante, afastando o homem de si num gesto quase de repulsa, balbuciou:
- Onde está "Flor de Amor?" Por que não está aqui? Cuidado, a menina pode machucar-se, com todas essas rosas... Como são bonitas! Mas... Estão sujas de sangue!... Rasgue essa carta maldita! Tudo é mentira, tudo é perfídia!
- Basta, basta! - suplicou Fernando. - Não suporto mais tanta dor, doutor! Por favor, eu lhe darei tudo o que possuo, até o último níquel, mas devolva-lhe a razão! Não é possível que tenha de ficar assim o resto da vida!
- Acalme-se, conde! - disse Démon com voz melosa, tornando a sentar-se atrás da escrivaninha, - Já tentei tudo, mas sem resultado. O mal é irreparável: a loucura de Marta Aubert é daquelas que só cessam coma morte.
Esmagado sob o peso de sua aflição e de seus remorsos, o conde Fernando parecia, também ele, incapaz de raciocinar, à beira da loucura.
- Não é possível! Não é possível que ela tenha de ficar para sempre nestas condições! Marta, escute-me... Vim aqui para buscá-la. Você vai comigo, para o meu palácio, onde não lhe faltará nada... Mas diga-me: onde está a nossa filha? Onde está o fruto do nosso amor?
O efeito produzido por estas últimas palavras na menteda louca foi inesperado, surpreendente ao ponto de preocupar o próprio doutor Démon, tão seguro de já ter arruinado completamente o cérebro de Marta. Um tremor convulsivo se apoderou dela eseus olhos se dilataram assustadoramente fixando-se no conde.
-Fernando!... Fernando!... - elagritou, agarrando-o pelo braço, com a força do desespero. - Onde está a nossa filha? Onde está "Flor de Amor"?
- Doutor! – exclamou o conde, ainda incrédulo. - Por fim, ela me reconheceu! O senhor viu? Deus operou um milagre! Marta me reconheceu!
Démon, com os braços cruzados no peito, a testa franzida, não respondeu. Atento como estava, limitou-se a observar as reações que se produziam em sua paciente.
- Fernando, salvea nossa filha! - implorou Marta, cada vez mais excitada. - Não deixe que lhe façam mal.
- Quero apertar minha querida filhinha nos meus braços! Ela está aqui, não ouve sua voz? Ela está junto de nós!
Interrompeu-se. Rápida como havia saído, sua voz se apagou na garganta, num som rouco, a mão que apertava o braço de Fernando desprendeu-se dele, agitando-se por um instante no ar, tal como uma pobre folha morta. Depois, Marta caiu por terra, como fulminada. Fernando, assustadíssimo, inclinou-se para a coitada, procurando em vão reanimá-la. Vendo que todos os seus esforços eram inúteis, encarou o médico:
- Que significa isto, doutor? O que tem ela?... O que quis dizer sobre a nossa filha? É verdade que se encontra aqui?
O rosto do perverso médico se descontraiu numa expressão de absoluta servilidade, enquanto ele respondia calmíssimo:
- Caro conde, Marta está completamente louca, como o senhor deve ter percebido, Como pode dar crédito ao que ela diz? Sempre teve a ideia fixa de encontrar a filha, desde que aconteceu o fato que a separou do senhor. Porque, eu não o nego, a menina nasceu na minha clínica...
- A que fato alude? - indagou Fernando, sobressaltado com tudo o que acabava de acontecer. Démon se aproximou da escrivaninha, apertou a campainha para chamar Viviana, a hercúlea cruel enfermeira, à qual estava confiada a vigilância de Marta. Depois, fitando o fidalgo com seus olhinhos penetrantes, como se quisesse forçá-lo a acreditar no que ele ia dizer; mediante asua persuasiva força hipnótica, respondeu:
- Vários anos atrás, esta paciente não havia, piorado tanto como o senhor a vê agora. Estavacom o cérebro, completamente obtuso, sim, mas não sofria de ataques e, durante o dia, podia andar livremente pela clínica. Foi assim que ela conheceu umoutro alienado meu, aparentemente muito sossegado, que a instigou a fugir com a menina. A tentativa de fuga, porém, foi descoberta eo pessoal de serviço àquela hora não conseguiu impedir que o velho louco se afastasse, carregando com ele a criança. Marta, que estava recuperando-se, piorou rapidamente, e a partir de então, coitada, ficou obcecada pela lembrança da filha, que julga estar em todos os cantos.
Démon se interrompeu, a fim de constatar se a sua narração estava perfeitamente plausível. Com um olhar distante, o conde perguntou:
- E as frases de há pouco? O apelo que ela fez?
- Se tivesse a experiência que eu tenho disto, conde, não se espantaria. São os delírios próprios de uma demente. Quando voltar a si do desmaio, é bem provável que não se recorde, do que falouantes!
- E o senhor não teve mais notícias do homem que levou a menina?
- Nenhuma, infelizmente. Desapareceu como se a terra o tivesse tragado, muito embora tivéssemos dado uma boa batida pela região, procurando por ele. Todas as minhas investigações foram infrutíferas.
Fernando, com gesto nervoso, passou a mão pelos olhos, como para expulsar as horrendas visões que o atormentavam. A filha do seu amor e de seu sangue fora raptada por um louco! Era medonho!
- Doutor Démon, - disse ainda - que pode ter sido feito da minha... Da nossa filha?
- Aquele homem não era perigoso, apesar de louco, provavelmente a criou, cercando-a de todos os cuidados, e agora ela deve ser uma graciosa jovem, ou quase uma mulher, até!
Os olhos doconde pousaram sobre Marta, enquanto a enfermeira cúmplice do médico, que logo acudira, fingia pressa em demonstrar os seus afetuosos cuidados. Ele ajoelhou-se junto dela e depondo um beijo em sua fronte cândida como a neve, sussurrou:
- Marta querida, não tenha medo... Nem que eu tenha de mover céu e terra, hei de encontrar a nossa filha! Meu coração me diz que o conseguirei. Deus nos concederá esta graça e ela nos será restituída, verá.
Enquanto isto, o médico, por trás dele, trocava um olhar com a marquesa Renata que, pela fresta da porta, havia assistido à dolorosa cena, fremindo de sádico prazer.
Aqueles dois seres abjetos, dignos em tudo um do outro, pensavam que todos os esforços que Fernando fizesse seriam inúteis. Maria "Flor de Amor", da qual se tinham conseguido apossar, já definhava numa cela da sinistra clínica, sem imaginar que seus pais estavam a poucos passos dela. "Pobre Fernando!", murmurou Renata entre dentes, e seu rosto belíssimo se contraiu, num trejeito cruel. “Que erro tremendo você cometeu, pondo-se contra mim, expulsando-me de sua casa! Você há de encontrar uma filha, sim, mas não será a sua! Não demorará muito evocê apertará nos braços a filha minha e de André de Saint-Evremont, aquele com quem eu o traí! Esta será a minha vingança, conde Fernando! E juro que hei de arruiná-lo, hei de tirar-lhe tudo o que você possui e de que se orgulha! Quero vê-lo andrajoso, sofrendo, rastejando aos meus pés como o último dos homens! Só então talvez me considere satisfeita.”
Naquele mesmo dia, Marta Aubert, como uma criança que ignora o que acontece à sua volta, foi deitada numa ambulância e depois das últimas falsas recomendações do doutor Démon, transportada para o suntuoso palácio do conde de Chanteloup.
Assim, como uma infeliz quase sem vida, Marta entrava na casa onde deveria ter entrado como dona muitos anos antes, não fosse a infernal maldade da marquesa Renata.
Um belo apartamento da luxuosa mansão, com janelas que deixavam ver o belo jardim florido, foi preparado para Marta.
O conde Fernando, em seguida, entendeu ser necessário encontrar uma pessoa ativa e de confiança, que se encarregasse deassistir à enferma. O problema não era dos mais fáceis de solucionar, mas, enquanto o fidalgo se achava ainda incerto sobre quem deveria escolher, lembrou-se de Flora Sardon.
Era a jovem para quem ele, impelido pelo seu bom coração, havia readquirido a última recordação da família, que ela fora obrigadaa vender, premida pelasua falta de recursos.
Ela dera ao conde o endereço da Pensão onde residia. Foi ali que Fernando a procurou e oferecendo-lhe um ótimo ordenado, pediu-lhe que aceitasse a incumbência.
Comovida com adolorosa estória de Marta, mais do que pelo desejo de ganhar dinheiro, Flora aceitou. Transferiu-se sem demora para o Palácio Chanteloup, onde se dedicou com todo o entusiasmo, à nobre missão.
A partir daquele dia, os mais insignes e hábeis especialistas em moléstias mentais se alternaram à cabeceira de Marta.
A infelizsubtraída aos maléficos processos do doutor Démon e de Viviana parecia melhorar um pouco, fisicamente, mas o cérebro torturado se mostrava refratário a todos os cuidados. A ciêncianão poderia fazer mais nada para devolver a razão à Marta.
Talvez apenas uma violentíssima emoção pudesse operar o milagre. Existia, por conseguinte, uma única possibilidade de restituir a razão à louca, segundo o parecer dos médicos: encontrar a filha desaparecida, "Flor de Amor", cuja lembrança era ideia fixa para Marta.

4 comentários:

  1. Que emocionante, Paulo! Que papel terá Flora na recuperação de Marta? Será que Fernando será enganado pela filha falsa? Mistérios... Parabéns!

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  2. Paulo, que situação triste a de Marta, mas pelo menos saiu daquele inferno. Mas Flor de Amor continua lá, pobrezinha! Emocionante! Muito bom!

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  3. oi Paulo gostaria de saber onde está o primeiro capitulo da Segunda parte do Inferno de um Anjo...

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    1. Gatinha Mineira Lacerda, aqui José Eugênio, administrador deste blog. O endereço que pediu é: http://biscoitocafeenovela.blogspot.com.br/2012/12/o-inferno-de-um-anjo-segunda-parte.html.
      Obrigado pela participação e volte sempre!

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