sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 21 - PARTE 1 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’unAnge



Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XXI
PAGANDO A CULPA ALHEIA

Na suntuosa residência do conde Fernando, depois do atentado infame contra a bondosa Flora, os dias transcorriam entre ansiedade e tristeza.
Flora, logo depois de ter sido agredida, sem perceber o que estava fazendo, pronunciara o nome daquele que imaginava ser o culpado, mas este, o miserável que a ferira, vivia ainda perto dela e ninguém suspeitava de nada, contra ele.
O conde Fernando permanecia longas horas à cabeceira da doente, acariciava-lhe os cabelos, olhava-a aflito, temendo que ela morresse de um momento para outro. Que terrível maldição pesava sobre sua própria cabeça e as das criaturas que lhe eram mais caras ao seu coração? A dor de ver Flora sofrendo assim, à angústia do temor de perdê-la, juntava-se ao tormento de não poder acreditar na culpabilidade de Luís Paulo. Conhecera-o ainda menino, sabia o quanto era bom, generoso e leal. Que alucinação o teria arrebatado, para que pudesse empunhar uma arma e usá-la contra uma criatura inofensiva e inocente? Ciúmes, acaso? Não, certamente, porque Luís Paulo, tudo indicava, jamais conhecera a vítima. Flora nunca falara sobre ele e ninguém, absolutamente, podia suspeitar de que entre os dois houvesse um romance de amor. Que, então? Interesse? Mas, qual? Luís Paulo de Rastignac era rico, Flora não possuía nada de seu, e disso Fernando bem sabia, desde o dia em que a surpreendera querendo vender a última joia que lhe restava.
- É um mistério que não consigo esclarecer! - dizia mil vezes a si próprio, o conde Fernando. - Como pode um homem decente, bom, cometer uma ação tão torpe e injustificada?
Esteve visitando Luís Paulo na prisão, conversou com ele longamente e este continuava a jurar que era inocente, repetindo o que dissera ao juiz de instrução, o que jurara ao próprio pai.
- Não sei de nada, não fiz nada... Nunca me passou pela cabeça apunhalar uma pobre moça. E por que haveria de fazê-lo?!
"Um erro de pessoa?", pensou Fernando. "Mas de que modo poderia esse erro ter acontecido?"
Os médicos prodigalizavam o melhor tratamento à Flora, o que levava a esperar que ela seria salva, mas os momentos em que parecia estar melhorando se alternavam com outros de sentido oposto. Denise, que de início a odiara, agora estava frequentemente ao seu lado e tratava-a com interesse. Certa manhã, quando Fernando entrou no quarto dela, trazendo flores, Flora ergueu a cabeça e respondeu ao seu "bom dia" com um sorriso.
- Como se sente hoje? - perguntou o conde. - Está melhor? Mais forte? Não sabe como sofri, quanto rezei, implorando ao Senhor que a salvasse!
- Tenho a impressão de haver sonhado - disse ela em voz baixa, -É então verdade que me atacaram, que fui apunhalada?
- É verdade, minha querida, infelizmente é verdade. Mas, agora, não deve pensar nisso, deve pensar é em curar-se, pois já está convalescendo, e fora de perigo. E logo que se possa movimentar, iremos para longe daqui, e procurarei distraí-la por todos os meios. Pobrezinha... Queria fazer alguma coisa por você e, ao contrário, como se fosse por vontade do destino, acabei por prejudicá-la. Em minha casa, não deveria acontecer o que aconteceu! Mas, diga-me, chegou a reconhecer quem a atacou?
- Sim - disse Flora - mas antes de falarmos longamente sobre isso, desejo ter uma conversa com Denise... Parece lembrar-me de tê-la visto aqui ao meu lado. Não foi sonho?...
- Não, não foi. Por que deveria ser sonho? Denise lhe quer muito bem e sofreu como eu, com o que lhe aconteceu, e esteve sempre ansiosa. Quer que a mande entrar? Quer falar com ela?
- Sim... Por favor, Fernando. Se vamos um dia unir as nossas vidas, para podermos amar-nos livremente, perante todos, quero pensar desde já que Denise é um pouco minha filha...
- Oh! Sua filha? Uma irmã, isso sim. Mas nada me será mais grato do que ver que ambas se entendem e se querem.
Acariciou ainda a fronte da convalescente, inclinou-se para lhe dar um beijo e depois saiu para chamar Denise e lhe dar a boa notícia.
- Está tão melhor, esta manhã! - disse exultante. - Agora acredito que Deus não a abandonará e ajudará a salvá-la.
- Como me alegro com isto, papai! - exclamou Denise. - Vou ter com ela e lhe falar...
Não disse, porém, que queria ir ter com a enferma para se certificar de que esta não revelaria o seu segredo. Por toda amanhã estivera a se debater entre o prazer instintivo de ver Flora sofrer e o temor de que ela, ao reviver a saúde, a denunciasse ao seu suposto pai. Que teria pensado Fernando, se soubesse que a moça que ele pensava ser sua filha, a quem tanto queria, esquecia sua classe e sua posição social, a ponto de andar metida com um cavalariço?
- Venha, papai, leve-me até lá - disse Denise, e segurando amorosamente a mão de Fernando, dirigiu-se para o quarto onde era esperada por Flora.
Quando entrou, a doente abriu os braços, num acolhimento afetuoso, que significava um perdão absoluto.
- Querida... Não se deve atemorizar - disse. - Antes que seu pai me interrogue, antes que venha a polícia fazer inquirições, quero ter uma conversa com você. Compreendo toda fraqueza que pode decorrer de um sentimento amoroso, por isso lhe peço que me diga sinceramente, sem falso pudor e sem hesitação, como devo proceder.
Denise permanecia calada. Tanta generosidade a perturbava e induzia-a a pensar com remorso na farsa ignóbil que continuava a representar, permanecendo naquela casa. Por que viera viver num ambiente que não era o seu? Por que se envolvera, por espontânea vontade, naquele emaranhado de situações amargas e contrastantes? Não teria sido melhor que continuasse na sua existência irregular e desordenada?
- Diga-me... Ainda o ama? - perguntou Flora, com voz mansa. Deve ser sincera comigo. Sou mulher, e ainda jovem. Por isso, posso compreendê-la.
- Não o amo mais, não quero mais vê-lo - respondeu Denise com firmeza.
- Não imagina quanta alegria me causam suas palavras - declarou Flora. - Mesmo nos momentos em que estive pior, quando meu pobre cérebro estava confuso, eu compreendia que este seria o momento mais difícil de superar. Meu coração me dizia que devia convencer você a afastar-se daquele homem, mas eu não sabia onde encontrar a força de persuasão que seria necessária para conseguir que você desistisse dele.
- Não o amo - repetiu Denise - e não me importa absolutamente vê-lo sofrer a punição da justiça.
- Pois bem: se realmente é assim, se não vou prejudicá-la ou lhe causar dor, falarei,denunciá-lo-ei e ele será punido como merece. Mas, não receie, que não revelarei o seu segredo. Calarei, não só por você como porque não quero que seu pai seja afetado.
- Querida! Você é tão boa! - exclamou Denise e, num impulso espontâneo, ajoelhou-se e beijou a mão da enferma.
- Não sou boa, desejo apenas que nos queiramos bem - disse Flora - e que a vida recomece serena nesta casa que foi tão golpeada pela dor.
Ficaram ainda um pouco a falar sobre coisas diversas, como duas boas amigas e depois Denise, lembrando-se de que o conde Fernando a esperava no aposento contíguo, para também conversar com Flora, ergueu-se:
- Não sei como lhe demonstrar meu reconhecimento - repetiu, e Flora teve um sorriso. - Não há necessidade de me dizer nada - respondeu - e não tem que me dar nenhuma prova de reconhecimento. Se pensar que eu mereço o seu afeto, demonstre-o pelo único modo que me agrada: esqueça aquele infeliz. Promete?
- Fique certa disso - disse a farsante.
Pouco depois, o conde Fernando entrava no quarto da jovem.
- Quero falar-lhe... Diga-me: a polícia foi notificada do que aconteceu? - perguntou Flora.
- Sim, certamente, e o assassino foi detido na mesma noite, depois que você disse seu nome...
- Eu, disse o nome do homem?! Então eu falei?
- Você disse que quem a atacou foi Luís Paulo de Rastignac, mas ele nega que a tivesse visto algum dia, sustenta que havia entrado aqui naquele instante mesmo e logo foi agarrado e acusado...
- Naquele instante? Mas que diz você, Fernando? O homem que me quis matar mora aqui conosco, foi o mesmo que você empregou, por motivo de reconhecimento...
- Gente daqui de casa? Mas isso é um absurdo! Tudo quanto está acontecendo é simplesmente uma loucura! Luís Paulo é o filho de um amigo meu, eu o vi criança, posso dizer que o vi nascer, é rico, nunca foi meu empregado...
- Diz você que conhece esse rapaz há anos? - exclamou Flora. - Ai de mim! Então houve um erro de nome! Não pode ser o mesmo de que estou falando. O culpado então é Afonso, o homem que você empregou como cavalariço, porque lhe salvou a vida e a de Denise, quando saíam para um passeio de carruagem. Recorda-se?
- Claro que me recordo! Mas, então, por que você, quando a encontramos ferida, disse que tinha sido Luís Paulo de Rastignac?
- Porque ele me disse chamar-se assim, e que entrara aqui sob falsa identidade, percebe?
- Percebo, e creio também que caímos numa cilada vulgar, que abrigamos em nossa casa um indivíduo abjeto e indigno. Fique de olhos fechados, como se dormisse, mandarei vir Afonso e quando ele, certo de que não será reconhecido, estiver aqui, olhe-o bem e confirme sua acusação diante de mim. Não acredito que ele possa negar.
Tocou a campainha, chamando o fiel mordomo e lhe sussurrou algumas palavras ao ouvido, ordenando que fosse chamar Afonso. Enquanto isso, foi até o seu quarto e apanhou a pistola que tinha sempre na gaveta.
- Fique tranquila - disse ao voltar, - Não se excite. Esse patife pode ser vencido pela astúcia. Se ele agora suspeitasse de que você está em condições de reconhecê-lo, fugiria e não lhe poderíamos pôr as mãos em cima, nunca mais. Mas eu quero, a todo custo, que ele seja punido. Sua culpa merece um castigo severo e Luís Paulo tem que sair do cárcere onde se encontra.
Flora reclinou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos. Enquanto isso, o mordomo, que andara a procura do traidor, fora ter com ele em seu quarto.
- O senhor conde mandou chamá-lo, para um serviço urgente - disse-lhe. - Venha depressa, que a senhorita Flora teve uma recaída, perdeu o conhecimento e o conde quer que você leve um recado seu para o médico.
Mostrando satisfação com a notícia, e imaginando ser o efeito do suposto veneno dado por Démon, Afonso acompanhou o mordomo, convicto de que obtivera êxito na manobra para liquidar com a perigosa testemunha e, ao mesmo tempo, vítima do seu crime.

Um comentário:

  1. Paulo adorei esse capítulo! Mas acho que Fernando está correndo perigo ao enfrentar esse bandido, estou preocupada. Vou aguardar ansiosa. Muito bom! Bjs.

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