sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - CAPÍTULO 35 - PARTE 3 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL

Capítulo XXXV

O HOMEM MISTERIOSO (CONTINUAÇÃO)


No palacete do barão de Rastignac, depois da celebração do matrimônio de Luís Paulo e Denise, em vez da paz e da felicidade, parecia que haviam entrado o desespero e a tristeza. Luís Paulo já não era mais o alegre e animado rapaz, infatigável promotor de divertidas reuniões e festas. Seu semblante agora refletia tristeza, desventura, desânimo, e ele passava longas noites de insônia no quarto que ocupara quando solteiro, enquanto Denise continuava a torturar-se, em desespero, no grande quarto matrimonial. O remorso atormentava o coração do jovem barão e quando conseguia dormir um pouco, seu sono era agitado por pesadelos, que o torturavam tanto, ou, mais, do que os pensamentos que tinha quando acordado. Via sempre Maria "Flor de Amor", com os cabelos esvoaçantes, os olhos cheios de pavor, a chamar por ele, do alto do parapeito de enorme ponte, sob a qual corria um rio caudaloso. Quando, porém, cheio de horror, se lançava em seu socorro, no momento crítico, em que estava quase para alcançá-la com seus braços fortes, a moça, soltando um grito estridente, precipitava-se nas águas impetuosas do rio e era arrastada pela violenta corrente... Era o momento em que Luís Paulo acordava sobressaltado de seu pesadelo, molhado por um suor frio, como um agonizante. O transcorrer dos dias em nada diminuíram a dor nem a paixão do jovem barão. Na sua mente e no seu coração estava sempre a lembrança inapagável de Maria "Flor de Amor".

- Teria eu de viver mil anos. - dizia Luís Paulo a si mesmo - e não conseguiria esquecer essa criatura angelical, que penetrou na minha alma, que está no meu sangue! Não quero pensar que esse mau sonho corresponda à realidade. Não me resigno a aceitar a idéia de que minha idolatrada "Flor de Amor" tenha morrido. A morte não pode ter-me roubado o anjo de minha vida. Algo tem de acontecer para que os meus olhos voltem a contemplá-la, que sem ela, longe dela, a vida é para mim o pior dos tormentos, a mais pesada das cruzes!
Em consequência de passar noite e dia entregue a estas amargas e dolorosas reflexões, Luís Paulo vivia devorado pela melancolia e facilmente se irritava, deixando de ser afetuoso e cordial para com os seus servidores. Durante o dia, o barão Luís Paulo passava a maior parte do tempo na biblioteca do palácio. Tentava distrair-se com a leitura, mas não o conseguia. Aquela imensa sala cheia de livros tinha grandes janelões e, através das suas vidraças, podia ver-se o magnífico jardim do palácio. Mas os encantos da natureza não mais lhe interessavam, não olhava para as flores, nem para os pássaros, dos quais em outro tempo fora muito amigo. Agora Luís Paulo vivia não como um homem afortunado, na plenitude de sua existência, mas como um morto-vivo. Uma noite, Luís Paulo perambulava pela biblioteca, cujas luzes não quis acender. No silêncio que o rodeava, percebeu o rumor das rodas de um veículo que avançava pela alameda principal do jardim. Aproximou-se de um dos janelões e viu que uma charrete iluminada pela débil luz de dois lampiões vinha em direção de uma das portas do palácio. Não imaginando quem pudesse ser àquela hora da noite, em vez de chamar o mordomo, ele mesmo abriu uma das bandas da porta para poder receber o recém-chegado, que naquele momento, após fazer parar o veículo, estava descendo do mesmo. O desconhecido vestia o hábito peculiar dos frades capuchinhos. Era alto, magro, a espessa barba enquadrava seu rosto e seus olhos tinham a perspicácia e a malícia de uma raposa.
- Boa noite, barão de Rastignac - exclamou o visitante noturno. - Folgo em ver que o senhor ainda não se recolheu ao leito, porque nesse caso teria sido forçado a incomodá-lo.
- Mas... Quem é o senhor, padre? - perguntou Luís Paulo com estranheza. - Não me parece tê-lo visto nunca antes de agora.

  
- Então o senhor não me reconhece? Este hábito é apenas um disfarce. Não sou um frade capuchinho. Sou o detetive Ubaldo, que o senhor bem conhece! A barba e o hábito me servem para despistar melhor aqueles a quem preciso vigiar - explicou o investigador.
- Faça o favor de entrar, senhor Ubaldo. Venha comigo. Na biblioteca poderemos conversar sem sermos interrompidos.
O detetive atendeu ao convite, entrando na suntuosa mansão de seu cliente, que o instalou numa poltrona, no grande salão da biblioteca. O barão Luís Paulo sentou-se em frente a Ubaldo.
- Estou esperando ansiosamente as notícias que, sem dúvida, motivaram sua visita. Que conseguiu averiguar a respeito de Maria "Flor de Amor"? - perguntou o jovem barão, com palavras em que vibrava a maior ansiedade.
- Não são boas as notícias de que sou portador - respondeu Ubaldo, dando a seu rosto a expressão mais triste e compungida que lhe foi possível. - Verdadeiramente lamento, quisera ter trazido para o senhor, barão, as melhores notícias, mas o destino se interpôs e...
- Deixe de preâmbulos, que não posso suportar - gritou Luís Paulo, irritado pela oca fraseologia do investigador. - Diga de uma vez, boas ou más, as informações que conseguiu obter.
- Estou de acordo com seu desejo, senhor barão. Com a maior tristeza lhe comunico que Maria "Flor de Amor"... Morreu!
- Não pode ser verdade – proferiu o jovem barão. - Se ela tivesse morrido, meu coração que tanto a ama teria estourado dentro do meu peito!... Penso que o que o senhor acaba de dizer é apenas uma suspeita, nunca uma total e absoluta realidade.
- Bem quisera eu que fosse apenas uma suspeita - disse Ubaldo com voz enrouquecida. Se a descrição que o senhor me fez dessa moça é rigorosamente exata, não pode haver dúvida. O corpo de uma linda jovem loura, olhos azuis, idade entre dezoito e vinte anos... Foi recuperado no dia de ontem e hoje já foi autopsiada pelos médicos.
Luís Paulo apertou a cabeça entre as mãos desesperado.
- Que horrenda desventura a minha! Oh, sou o mais infortunado dos homens! - gemeu Luís Paulo.
Em seguida acrescentou:
- Quero vê-la. Quero dar-lhe o último beijo.
- Senhor barão, não lhe aconselho ver a morta. Aquele seu lindo rosto foi impiedosamente ferido pelas pedras do fundo do rio e mordido pelos peixes. Os olhos que seriam seu encanto, já não estão nas órbitas. Dá horror ver o estado a que ficou reduzido. Conserve a lembrança daquele rosto tal como o senhor o viu pela última vez, não acrescente à sua dor e amargura a tétrica visão daquele pobre rosto tão horrivelmente desfigurado!
Luís Paulo permanecera imóvel com os olhos parados. Parecia ainda não estar convencido.
Com a teimosia de uma criança, apegava-se à convicção de não ser verdade aquilo que ouvira, procurava convencer-se de que tudo não passava de um pesadelo, que logo passaria e o deixaria em paz.
- Morta a criatura que eu adorava! Não, não pode ser... O destino não pode ser tão cruel! Arrebatar-me toda esperança de felicidade! "Flor de Amor", a pétala que perfumava minha vida e era toda a poesia e o culto do meu coração!
Totalmente indiferente à dor do jovem fidalgo, Ubaldo, o detetive, com o ar de quem levou a termo um assunto fastidioso e que se sente feliz por poder, afinal, ir embora, disse:
- Penso que o senhor prefere ficar só, agora. Lamento ter sido eu o portador da confirmação da morte dessa moça, mas o senhor compreende que não podia agir de outra maneira. Boa noite, senhor barão...
Luís Paulo, que se havia deixado cair numa poltrona com os cotovelos apoiados aos joelhos e as mãos pendentes, brancas e como que sem vida, não deu nenhuma resposta. Mesmo depois que o falso frade partiu. Por longo tempo o jovem barão permaneceu naquela posição, com a cabeça caída, vencido, destroçado pela força do destino adverso. O triste soar de um relógio no vestíbulo, sobressaltou-o. Parecia que aquelas badaladas se destinavam a recordar-lhe que, acontecesse o que acontecesse, o tempo ia sempre avançando, lento e inexorável, sem tomar conhecimento das tragédias que sem cessar acontecem neste nosso mundo. Como um autômato, Luís Paulo se ergueu da poltrona e deixou a biblioteca, dirigindo-se lentamente para o vestíbulo. Naquele momento, o mordomo, um bom velho que o vira nascer, surgiu como uma sombra no ângulo mais escuro, envolto num longo capote. Tinha ouvido rumor e vozes na sala, receando que o barão, cujo estado de saúde já o vinha preocupando há vários dias, estivesse a precisar de auxílio, viera ver o que ocorria. A expressão que leu no semblante de seu patrão confirmou todas as suas pessimistas apreensões e suposições e, embora desde há certo tempo todos andassem temerosos das crises de cólera do fidalgo, o ancião decidiu enfrentá-lo e lhe disse, em tom respeitoso, mas em que havia certa autoridade, necessária, que ele compreenderia, naquele momento:
- Senhor barão... O senhor vai para a rua a esta hora? O senhor está mortalmente pálido, vê-se que não está passando bem. Deve repousar, senão vai adoecer gravemente. Quer que chame um médico?
- Deixe-me passar - disse Luís Paulo, com voz rouca. - Quero andar um pouco...
- Mas, senhor barão, a noite vai alta... O senhor está enfermo... Onde pretende ir? Espere ao menos que amanheça o dia!
- Deixe-me passar, já disse! Saia do meu caminho!
- Não posso permitir que o senhor vá andar por aí, nestas condições. Se algo de ruim lhe suceder, a senhora baronesa nunca me perdoará!
Aquela referência a Denise teve o poder de aumentar ainda mais a ira do rapaz. Com um movimento brusco, inesperado nele, que era a própria imagem da gentileza e da brandura, afastou de si o mordomo, e saiu pela porta do jardim, dirigindo-se para a coudelaria.
Um minuto depois, montado no cavalo que estava mais perto dele, deixava a quadra. Passou veloz diante do mordomo, que viera atrás dele, e que teve de dar um pulo para trás, a fim de evitar ser atropelado. Logo desapareceu veloz pela alameda, na mesma direção em que pouco antes por ali passara o detetive particular. O saibro chiava sinistramente sob os cascos do animal, mas Luís Paulo não percebia o perigo que corria e esporeava cada vez mais o cavalo, com os olhos fixos no vazio, fazendo as curvas da estrada numa velocidade de louco, exigindo tudo do potente animal.
Qual era a intenção de Luís Paulo, no seu desespero de amor? Suicidar-se?

2 comentários:

  1. Mas uma vez, Luís Paulo e Flor do Amor são separados. Acho que esse suplício ainda vai durar um bom tempo...

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  2. Pobre Luís Paulo, em que estado se encontra! E sobrou até para o pobre cavalo, fiquei com pena do coitado. Quanto drama na vida desse casal, sempre esses desencontros! Muito bom Paulo! Bjs.

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