domingo, 30 de dezembro de 2012

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 4 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


2ª Parte - Capitulo IV

AS FLORES DESPEDAÇADAS

Mal o doutor George penetrou no quarto de Marta Aubert, que estava mergulhado na penumbra, foi logo sentindo um forte cheiro de violetas, o perfume preferido da louca, que impregnava o ambiente.
O local estava mobiliado com simplicidade, com sóbrio bom gosto e tudo fora disposto de modo a tornar o mais confortável possível a permanência de uma pessoa que apenas muito raramente saía ao ar livre.
Marta trajava um vestido branco singelo, que fazia ressaltar ainda mais a alvura de seus cabelos, estava recostada num canapé e nem sequer virou o rosto para ver quem havia entrado. Seu aspecto não havia mudado muito desde o dia em que o conde Fernando a fizera transportar para o palacete, embora estivesse sendo tratada com todo o carinho.
Continuava muito magra, pois de lá viera esquelética e de uma palidez cadavérica, mas o que nela mais impressionava ainda eram os olhos, que pareciam ser a única coisa dotada de vida naquele corpo que se encaminhava para a morte. Tinha sempre entre os braços uma boneca, que beijava com muita frequência, mantendo-a apertada ao coração e embalava para fazer dormir, com voz mansa e suave, repetindo sempre uma canção de ninar infinitamente triste.
George, de fronte enrugada, braços cruzados, esteve a observá-la de certa distância, demoradamente, sem que ela parecesse perceber a sua presença ou que alterasse em nada seu comportamento.
Depois o médico avançou uns passos para vê-la mais de perto e, então, Marta Aubert pareceu vê-lo, fixando nele os olhos de alucinada. Então, apertando desesperadamente a boneca contra o peito, pulou do canapé onde estivera até então recostada e correu a colar-se contra a parede, tremendo convulsivamente.
O médico, com a calma própria da profissão que exercia e a experiência do trato com outros doentes daquela natureza, sem fazer o menor movimento brusco, para que ela não se assustasse mais ainda, aproximou-se mais um pouco. Então, de repente, a louca soltou um grito estridente, dilacerante:
- Socorro! Socorro! Querem me tirar a menina! Socorro!
Àquele grito a porta se abriu de repente e Pedro penetrou no aposento.
- Doutor, que aconteceu? Precisa de mim?
George se voltou algo contrariado:
- Parece que eu lhe disse que desejava estar aqui sozinho!
- Desculpe "doutor". Ouvi os gritos dela e não pude me conter.
- Bem, já que está aqui, diga-me uma coisa. Você não tem ideia de que o conde Fernando tenha tido um filho com essa senhora?
- Sim, teve, doutor. Uma filha. É a atual baronesa Denise de Rastignac...
- É muito, muito estranho...
Pedro se aproximou um pouco mais, ao tempo em que a doente que provavelmente havia reconhecido nele alguém que lhe era familiar, foi se tranquilizando com impressionante rapidez e voltava a sentar-se, sempre ninando a boneca.
- Que é que o senhor acha estranho, doutor?
- Que a filha esteja viva e aqui perto dela, que ela, apesar disso, continue sua fixação sentimental numa boneca... Nunca soube de um caso como esse tão estranho e tão sem justificativa. O normal, o que sucede sempre, é o paciente maníaco transferir todo o seu afeto, sua atenção, seu apego, para algo que lhe traga a lembrança de uma pessoa que lhe foi arrebatada ou que morreu, como poderia ser, por exemplo, essa boneca. Mas, uma vez que a filha está viva e que ela a pode ver, essa transferência maníaca não tem causa, carece praticamente de fundamento...
- Mas... Se ela é uma louca, doutor... Como quer que ela saiba?
- Aí é que você se engana, Pedro. Em todas as ações cometidas pelos alienados ou os que chamamos loucos, até mesmo as mais extravagantes e inexplicáveis, há algo de lógico, e isso é o que é difícil perceber, tornando o tratamento custoso. Mas assim é. Estudando atentamente esses atos, essas reações, pode-se chegar ao motivo, à causa que desencadeou o impulso ou, então, a descobrir o motivo causador de determinado ato que se repete, recordando outro que foi a origem da perturbação, que lhe alterou o funcionamento normal da mente.
George se aproximou de Marta, que desta feita não reagiu como anteriormente e lhe tomou o pulso para contar as pulsações. Agiu como médico, evidentemente para assim se impor no espírito da doente.
- Quem é o senhor? - perguntou de repente a enferma.
- O médico que está incumbido de tratá-la, de pô-la boa, senhora.
- Por que isso? Quem está doente? Não preciso de médico. Vá embora!
George, impassível, em vez disso, sentou-se ao lado dela, olhando-a fixamente.
- Mas eu vim tratar também de sua filhinha - disse, com toda a naturalidade.
Marta lançou um olhar carinhoso, mas apreensivo à boneca.
- Doutor, não deixe que tirem minha filhinha. Ela é o único bem que me resta neste mundo e não saberia... Mas a menina está doentinha?
- Receio que sim, minha senhora.
- Sim, sim, é isso mesmo! Está doente... Envenenada! Agora me lembro... É isso! Foi envenenada...
- E a senhora sabe quem a envenenou?

  
A louca baixou a cabeça, como se procurasse rebuscar no cérebro confuso um nome. E de repente ergueu o rosto e exclamou, arregalando os olhos:
- Claro que sei! Sei quem foi! Foi ela!
- Ela, quem? - perguntou George, sem se alterar.
- Ela! A mulher que me roubou o amor de Fernando e que me mantém prisioneira aqui! Oh, pobre de mim! Ninguém me ajuda! Ninguém me salva!
Excitada, Marta Aubert se atirou para trás, desesperada, deixando-se cair sobre o encosto do canapé. Grossas lágrimas lhe rolavam pelo rosto descarnado.
George havia escutado com o máximo interesse tudo o que ela deixara escapar, esforçando-se por compreender o que havia de escondido no significado daquelas queixas e daquela acusação. Compreendeu que o trabalho de tratar daquela pobre doente e de lhe penetrar na mente, para procurar trazê-la à cura, ia ser bem árduo, mas decidiu que tudo faria para alcançar aquela vitória, logrando seu objetivo.
Fez menção de levantar-se, para deixar a doente, porém esta o agarrou pela manga e puxou-o:
- Doutor... Não permita que me tirem a menina... Faça com que deixem a menina comigo... Ela é tudo o que resta em minha vida!
- Ninguém levará a menina, ninguém tocará nela, minha senhora. Fique tranquila.
- Mentira!... Está mentindo!... Sei que querem levá-la - lamentou-se a louca - e eu vou ficar sozinha, sem a minha filhinha, sem ninguém!
O doutor George, lentamente, quase com ternura, fez-lhe uma carícia na cabeça...
- Acalme-se, minha senhora. Vai ver como ninguém tocará um dedo na sua filhinha. Acalme-se e agora vá descansar.
Estranhamente obediente, Marta, sempre com a boneca apertada nervosamente contra o colo, cedeu em se estender no canapé e reclinou a cabeça numa das almofadas que tinham estado embaixo de suas costas.
- Então... Não vão levar mesmo a minha filhinha?
- Não. Pode ficar tranquila. Não tenha receio.
- Graças a Deus!
Quando George saiu do quarto, perguntou ao mordomo:
- A baronesinha Denise costuma vir visitar a mãe?
- Veio uma vez, doutor.
- E qual foi a reação da doente? Como a recebeu?
- Não sei muito bem, doutor, porque não vim com ela. Mas o conde ficou desolado. Ela a repeliu como começou a fazer hoje com o doutor...
O bom velho observou ansiosamente o rosto do psiquiatra.
- Acha... Que há alguma esperança doutor?
- Não sei... Não sei... Há certos aspectos que não entendo, há coisas que preciso esclarecer e só então poderei dar uma opinião. Enquanto não conseguir estabelecer certas ligações com o passado, nada feito. Sem isso, não podemos esperar nenhuma cura.

2 comentários:

  1. Conseguirá George, montar esse quebra-cabeça e descobrir a causa da loucura de Marta? Denise não irá tentar impedir? Paulo, está muito boa essa história! Bjs.

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  2. George já percebeu a dificuldade que terá. Será vai conseguir desmascarar a impostora Denise? Vamos ver...

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