quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 13 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Segunda Parte - Capítulo XIII

ANGÚSTIA DENTRO DA NOITE

Naquele justo momento, o ruído das rodas de uma pesada carruagem chegou ao apartamento da baronesinha. Denise correu à janela e, após ter dado uma olhada para o jardim, levando a mão ao coração, balbuciou:
- Pronto! Luís Paulo está chegando!...
- Bem... E daí?
- Trate de se esconder! Ele virá certamente aqui para me dar boa noite...
- Ai! Que marido apaixonado!
- Não graceje, Afonso! Se ele o encontrar aqui, vai matá-lo!
Malgrado sua fanfarronice, impressionado com aquelas palavras, Afonso quis saber:
- Bem... E onde me posso esconder?
Denise olhou em volta, arquejando.
- Ali... No banheiro... Depressa! Depressa!
- Está bem, mas trate de mandar a camareira para que me esconda em lugar mais adequado. Não quero ficar a noite inteira no banheiro!
- Está bem... Trate de não fazer nenhum ruído, de não denunciar sua presença, senão... Estamos perdidos os dois!
- Fique tranquila - assegurou o malandro, entrando no local que lhe era indicado. - Como ótimo ladrão que sou, isso de não fazer ruído, posso garantir que é a minha especialidade...
Enquanto isso, Denise tratava de fazer desaparecer do salãozinho todos os vestígios da presença de um estranho. Ajeitou às pressas o vestido e os cabelos, frente a um espelho, depois, agarrando as garrafas e os copos, escondeu tudo embaixo de uma larga poltrona, procurando fazer com que não se pudesse ver nada. Mal havia acabado de colocar o colar no pescoço, novamente, o colar que Afonso havia recusado, ouviu bater levemente na porta que dava para o corredor e a voz do barão Luís Paulo dizendo, tranquila, mas sem muita firmeza:
- Querida, sou eu. Posso entrar?
Denise foi abrir a porta, que estava trancada à chave e disse, procurando mostrar-se o mais natural possível:
- Você voltou tarde!...
Luís Paulo entrou no salãozinho e, imediatamente, ela notou como ele estava pálido.
- Que foi que aconteceu, querido? - perguntou, com ansiedade:
- Nada... Demorei mais um pouco por causa de uma carta estranha que seu pai recebeu.
- Uma carta? De quem? Dizendo o quê?
O barão evitou o olhar de sua mulher.
- Depois eu explico... - deu uma olhada no relógio e continuou:
- É mesmo muito tarde... Não tinha reparado... Não esperava, aliás, que ainda estivesse acordada.
- Não poderia dormir, sabendo que não havia regressado...
- Desculpe se lhe dei este trabalho, se a impedi de dormir. Sabe? Estou muito preocupado, encontrei um dos nossos cães perto do portão principal... Morto.
Denise arregalou os olhos:
- Morto?!... Mas, como? Nenhum deles estava doente...
- Não morreu de doença, querida. Foi apunhalado!
- Que coisa horrível!
A baronesinha fazia tudo para conter as batidas furiosas do próprio coração e manter uma atitude natural. O cão de guarda apunhalado era um detalhe que Afonso havia omitido no relato que fizera da própria fuga até chegar ali.
- Não gostaria que alguém tivesse entrado no palácio - prosseguiu o jovem barão - mas não duvido... Isto aqui é muito isolado e os ladrões andam à solta por aí... Se entrou algum, deve ser um indivíduo muito duro, pois não hesitou em matar à sangue-frio um animal daqueles. Não ouviu nada, por acaso, meu bem? Nenhum ruído suspeito?
- Não, nada ouvi, absolutamente... - apressou-se a responder a mulher, procurando dar a maior ênfase à negativa e lançando, sem querer, um olhar furtivo na direção do banheiro. - Não ouvi nada mesmo...
- Isso me deixa mais tranquilo - continuou Luís Paulo, que pela segunda vez olhou à sua volta, deu, a seguir, alguns passos e parou de súbito:
- Denise, você fumou, por acaso? - perguntou.
A baronesa ficou rubra.
- Eu? Não!... Absolutamente. Você bem sabe que não fumo.
- É estranho!... Tenho a impressão de sentir cheiro de cigarro...
Luís Paulo se aproximou da janela e afastou o reposteiro.
- Denise! - exclamou. - Por que esta janela aberta? Não está tão quente assim, pelo contrário!
A baronesinha estava completamente perturbada pela presença de Afonso a poucos passos deles e pelas observações que o marido estava fazendo, a tal ponto que custou a dar uma resposta, sentindo a violenta tentação de fugir, de deixar para sempre o palácio, para não ser desmascarada diante de todos os empregados do barão. Mas, logo se deu conta de quão seria errôneo tal comportamento e murmurou, fingindo inocência:
- Não sei... Eu não a abri... Talvez tenha sido o vento...
- Não está ventando esta noite!
- Luís Paulo, que quer que eu lhe diga? Que importância tem uma coisa tão simples?
O jovem barão, decidido, foi até o local da campainha e estendeu o braço para puxar o cordão.
- Alguma coisa não está certa! - exclamou. - O cão morto a punhal, a janela aberta sem que ninguém lhe tocasse... Isso não me agrada!
- Meu bem... Que vai fazer? - perguntou Denise com a voz estrangulada na garganta.
- Nada mais simples: vou acordar os criados e daremos uma busca em todo o palácio!
- Não, não, Luís Paulo! Não faça isso!...
Indeciso ante a veemência das palavras da mulher, o barão se virou para ela:
- Denise, que há com você? Por que não quer que se dê uma busca? Meu intento é justamente fazer com que possa dormir tranquila...
Compreendendo que havia cometido gravíssimo erro, na intenção de repará-lo o mais depressa possível, a moça se aproximou dele e lhe pôs os braços em torno do pescoço.
- Oh! Meu bem! Tenho medo de que lhe aconteça algo...
- Que é que me pode acontecer? Fique calma, que se for um ladrão tratará de fugir, quando perceber que suspeitamos da sua presença!
- Não, Luís Paulo, eu peço a você... Além disso, seria uma demonstração de desconfiança em relação a mim...
- Desconfiança? Francamente, Denise, não estou entendendo!
- Você sabe como são os criados... Se soubessem que o dono da casa procura um homem escondido no palácio e logo aqui, nos meus aposentos... Inventariam uma porção de mexericos!
O barão, embora contrafeito, retirou a mão de perto do cordão da campainha, desistindo de fazê-la soar.
- Você é uma criatura verdadeiramente estranha... Nossos empregados nunca se permitiriam a fazer conjeturas a seu respeito!
- Pode ser que você tenha razão, mas, ainda assim, acho preferível evitar.
- Em todo caso - disse Luís Paulo, cheio de decisão - eu darei pessoalmente uma espiada por minha conta. Não dormirei sossegado com a preocupação de que poderia estar correndo qualquer perigo...
- Mas, querido, não corro perigo algum! Estou perfeitamente calma!
- Nada disso, Denise. Vê-se perfeitamente, embora você queira mostrar coragem e tente disfarçar, que está inteiramente perturbada, e eu não quero correr nenhum risco. O indivíduo que matou nosso cão pode estar neste momento dentro do palácio e quero ter certeza, pelo menos, de que não está nos seus aposentos!
Afastando suavemente a mulher, o barão se dirigiu para a primeira porta que viu diante de si.
- Antes de mais nada, verei no seu quarto - disse. - Dá licença, não?
- Sim... Naturalmente... – balbuciou Denise, que pouco a pouco ia recuperando a presença de espírito. - Mas, não acha que se fosse um ladrão, há mais perigo de que esteja querendo é esvaziar o cofre que está no seu gabinete? Ali é que há dinheiro a rodo! Aqui, que iria ele roubar?
Luís Paulo sorriu ligeiramente, embora estivesse irritado com a teimosia obsessiva da esposa.
- E as suas joias, Denise? Esquece as suas joias?!
- Bem... É verdade... Mas...
- Valem muito mais do que todo o dinheiro que tenho agora no cofre - informou, abrindo a porta do quarto de dormir.
A jovem, agarrada ainda a um derradeiro fio de esperança, tomou-o por um braço.
- Meu bem... Ao menos apanhe uma arma... Sei que tem uma na gaveta da sua mesinha de cabeceira, no seu quarto...
- Bobagem... Sei perfeitamente defender-me desarmado. Além disso, não tenho a intenção de provocar um alarme, usando arma de fogo.
Denise, fremente de inquietação, acompanhara o marido que entrara no seu quarto.
Naquele momento, amaldiçoava de todo o coração não só Afonso, que lhe fazia passar aqueles instantes terríveis, mas também os idiotas dos policiais que o tinham deixado fugir.
- Coisa curiosa, continuo a sentir cheiro de cigarro... - murmurou Luís Paulo, falando quase para si mesmo. - Você não fumou mesmo não?
- Não, já lhe disse!
Depois de ter vistoriado bem o aposento, o jovem barão retornou à salinha de estar.
Naquele momento, percebeu algo brilhando no solo, junto à parede, e se abaixou para ver o que era, enquanto Denise aproveitava para enxugar o suor que lhe molhava a testa.
- Olhe... Um pedaço de vidro... Parece ser de um copo...
Quando se virou para Denise, para lhe pedir uma explicação, ela se adiantou, apressadamente:
- Ah! Fui eu que quebrei uma taça... Um copo... Senti-me um pouco nervosa, tomei um calmante e o copo me escapou da mão. Como já era tarde, não chamei a camareira para limpar, preferi deixar para amanhã...
Enquanto Denise assim mentia, o barão revistava o guarda roupa e o quarto de vestir. Depois, nada tendo ali encontrado como era de esperar, voltou para junto da mulher e disse, pondo-lhe a mão no braço, para tranquilizá-la:
- Viu como foi simples? Assim, pelo menos, estou certo de que você não irá passar pelo susto de esbarrar com um indivíduo dentro de casa... Amanhã, então, procuraremos no resto do palácio...
Denise, sem se poder conter, soltou um suspiro de alívio, "Que sorte!", pensou ela. "Esqueceu de ver justamente no banheiro!"
Mal, porém, acabara de formular este pensamento, eis que Luís Paulo exclamou:
- Ah! Espere! Esqueci-me do banheiro...
E caminhou, decidido, para a porta semi-aberta que, justo naquele momento, se movera de leve!
Certamente, àquela hora, Afonso, sabendo o que podia acontecer, já estava de arma em punho, pronto para atacar o barão, assim que este o descobrisse.
Denise ficou paralisada pelo terror. Mais alguns segundos e estaria perdida, irremediavelmente!
Sentiu que a vista se lhe ofuscava e um atordoamento se apoderava dela.
E quando o barão ia abrir a porta, atrás da qual estava o perigo ameaçador à sua espera, Denise tombou ao solo, mal tendo forças para dizer com a voz estrangulada:
- Luís Paulo...
Imediatamente, o rapaz se voltou e, vendo a moça caída, correu e tomou-a nos braços, levando-a para deitá-la num divã. Logo depois, sem ficar muito assustado, sem perder a presença de espírito, encheu um copo com água de uma garrafa que havia sobre a mesinha de cabeceira e fê-la ingerir dois goles, o que, sendo o desmaio em parte verdadeiro e em parte simulado, logo fez com que voltasse a si, abrindo os olhos e batendo nervosamente as pálpebras.
- Denise, querida... - perguntou o barão. - Está melhor? Que foi que sentiu? Você me assustou!
Compreendendo que o seu desmaio, que não fora absolutamente casual, talvez pudesse ser a salvação desejada, Denise sorriu debilmente e fingiu estar muito mais fraca e abatida do que na realidade estava.
- Tudo aquilo que você disse... Sobre o ladrão... E o cão apunhalado me deixou tão nervosa!...
- Perdoe-me, meu bem. Agi, realmente, sem refletir! Não podia imaginar que estava ferindo a tal ponto sua sensibilidade...
Denise fitou o marido diretamente nos olhos, disposta a jogar a última cartada:
- Você ainda não sabe qual é minha situação... - falou ela baixinho.
De início, o jovem barão não compreendeu o significado daquelas palavras e repetiu, indeciso:
- A sua... Situação?! Que situação?
Denise, então, passando-lhe um braço em torno do pescoço, explicou dengosamente:
- Meu bem... Vou ter um neném...
Luís Paulo nunca amara verdadeiramente Denise, até porque a imagem adorada de Maria "Flor de Amor" sempre estivera interposta entre eles e havia sempre considerado sua união com aquela que acreditava a filha do conde Fernando, como algo que fora compelido a fazer, como se cumpre um dever. Naquele momento, porém, apesar da carta que seu sogro havia recebido e que lhe trouxera a quase convicção de que Maria Aubert ainda estava viva, sentiu uma grande ternura crescer dentro de si. Era o sentimento da paternidade, latente em seu coração, que veio à tona com a simples notícia de que iria tornar-se pai de uma criaturinha inocente, sangue de seu sangue e carne de sua carne. Tantos sofrimentos haviam enegrecido, nos últimos tempos, a vida de Luís Paulo, que ele teve, naquele instante, a impressão de que um novo horizonte de tranquilidade, com novas esperanças, estava a se abrir diante de si.
- Denise, minha querida - disse - como desejo que chegue o instante em que essa criança venha alegrar a atmosfera demasiado austera desta casa... Acredito agora que meu coração ficará em paz e que nada mais terei a desejar.
Assim falando, porém, Luís Paulo procurava enganar a si mesmo, talvez sem o perceber, porque a paz de sua alma havia sido novamente perturbada quando lhe renascera, pouco antes, a dúvida sobre se Maria Aubert estaria realmente morta ou ainda vivia.
- Está cansada, futura mãezinha? - perguntou.
- Sim, já não aguento mais... - tratou de aproveitar ela, que não via chegar o instante em que o marido se fosse. - Meus olhos estão se fechando de sono... Gostaria tanto de ficar ainda um pouco a conversar com você, mas as emoções desta noite me deixaram realmente esgotada. Sinto grande necessidade de repousar, de ficar em silêncio... Boa noite!
- Boa noite - respondeu o barão, beijando-a suavemente na testa.
Depois se ergueu e caminhou para a porta.
Antes, porém, de sair, ainda se voltou e perguntou:
- Você já disse alguma coisa a seu pai?
- Sobre que?...
- Mas... Sobre nosso filho!
- Ah! Não!... Ainda não. Quis que fosse você o primeiro a saber...
O barão Luís Paulo abriu a porta e já ia saindo, quando, ainda uma vez, retornou e exclamou:
- Tenho certeza de que ouvi um ruído no banheiro! Não ouviu?
Pela segunda vez, naquela noite, Denise acreditou ter chegado seu derradeiro momento. Contava que tudo já tivesse terminado e eis que, no último instante, aquele imbecil do Afonso estragava tudo, traindo sua presença! Que estaria fazendo lá dentro o idiota? Oh! Aquele tratante devia deixar o palácio, tinha de fazê-lo no dia seguinte! Ou ela chegaria mesmo a matá-lo para se ver livre dele! No dia seguinte? Qual dia seguinte, se agora mesmo iria ser desmascarada? Como podia reter Luís Paulo, agora, disposto como ele estava a entrar no banheiro? Pronto!... Tudo estava perdido... Contrariamente, porém, ao que esperava, em vez de ouvir uma exclamação do marido, ruído de luta, a voz de Afonso imprecando gemidos ou gritos, o que ouviu, estarrecida, com os olhos fechados à espera do pior, foi a voz de seu marido, calma como sempre, dizendo:
- Não... Certamente me enganei. - Aqui não há ninguém, tudo está em ordem.
Assim que a porta se fechou às costas do barão, Denise recostou o corpo sobre o sofá, suspirando, afinal, tranquila. Não sentia forças sequer para pensar como teria o gatuno do Afonso conseguido escapar aos olhos desconfiados do marido! Não conseguia pensar em nada, nada... Quando, depois de um tempo que lhe pareceu tremendamente longo, conseguiu erguer a cabeça e voltou os olhos para a porta de seu quarto, avistou o ladrão que, de pé, sorria ironicamente.
- Afonso! Como conseguiu... Desaparecer?
- Ah, ah, ah! Muito simples! Enquanto seu marido estava ocupado com você, desmaiadinha que era um encanto... Mudei de pouso, passei para o quarto de vestir, que ele já dera como "barra limpa"... Mas fiquei foi sufocado escondido no meio de tantos vestidos, dentro do guarda-roupa... Ah! ah! ah! Diverti-me um bocado, vendo a cara que você fez quando ele entrou no banheiro...
Denise se pôs em pé, cerrando os punhos.
- Você é o próprio demônio! - exclamou, com voz rouca de raiva.
O bandido, no entanto, não deu a mínima importância, ao insulto, pois retrucou, sempre zombeteiro:
- Pois dê graças a Deus por eu ser o mesmíssimo demônio e, apesar disso, não querer arrastá-la de volta para a pobreza de onde saiu a noivinha sem vintém para se transformar em baronesa...

2 comentários:

  1. Denise está atravessando uma fase difícil, mas acho que logo conseguirá reverter essa situação, ou a sorte a favorecerá mais uma vez! Vou aguardar.

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  2. Esse folhetim tem mais vilões que gente boa. Vamos ver o que vai acontecer com essa cambada no final. kkkkkk

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