quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 8 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Segunda Parte - Capítulo VIII

LUZ NAS TREVAS


Voltando ao seu escritório, Démon fechou a porta atrás de si e nela se encostou, como se tivesse receio de que alguém a viesse forçar.
Fechou os olhos por alguns instantes e novamente a expressão que não conseguia disfarçar diante de George lhe apareceu no semblante.
- Ele!... Ele!... - murmurou. - Depois de vinte anos!... Pouco faltou para que eu me traísse... A surpresa foi muito forte! Ele, o atual doutor Brancion!...
Cambaleante, apoiou-se a um pequeno armário, abriu-o, tirou uma garrafa e um copo que encheu até em cima. Virou o copo e de um gole ingeriu toda a bebida, tornando a enchê-lo completamente.
- Ele! - repetiu, deixando-se cair na poltrona, atrás da escrivaninha. - Mas parece que de nada suspeita... Seria absurdo que o fizesse!... Logo agora devia surgir no meu caminho! Ele... Meu filho!...
Bebeu novamente e atirou a cabeça para trás, apoiando-a no espaldar da poltrona. As recordações, as lembranças de vinte anos atrás lhe vieram à mente, revividas uma a uma, a princípio separadamente, depois em sequência, vívidas, nítidas, como se se tratasse de fatos ocorridos em data recente. Recordou a cena brutal do laboratório químico onde trabalhava, os móveis, instrumentos, apetrechos e aparelhos destroçados, as mesas reviradas e o corpo do seu assistente tombado ao solo, imóvel, numa poça de sangue.
Reviu as cenas do seu processo e julgamento, as fisionomias severas dos juízes, o dedo acusador do promotor apontado para ele, ouviu as vozes revoltadas dos que se acotovelavam na assistência, o promotor gritando na sala: "O acusado é um criminoso, um assassino! Em casos como este, lamento que as nossas leis não admitam a pena de morte... Peço para ele, a pena máxima!"
E depois os horrores do manicômio judiciário, as celas sempre fechadas com portas gradeadas, os gritos pavorosos dos loucos durante a noite, a tortura da camisa de força... E, finalmente, um dia, a chegada do jovem médico incumbido da supervisão de seu setor, ansioso por abrir caminho e, principalmente, por ganhar dinheiro, muito dinheiro.
Lembrava-se, como se fosse coisa de ontem, da conversa que ele tivera com o diretor do manicômio judiciário, pouco depois de sua chegada ali. Tinha podido escutar essa conversa por acaso, pois na ocasião se encontrava na enfermaria.
- Professor, aquele louco da cela 18, o professor Brancion...
- Sim... Que andou ele fazendo?
- Aquelas dores de cabeça, aquelas pontadas lancinantes de que ele se queixa e que tanto o torturam, tornando-o pior do que já é na realidade... Penso que eu poderei eliminá-las com uma intervenção cirúrgica, cujo processo estou há tempos estudando e formulando...
O diretor tivera um sobressalto, como se picado por uma serpente!
- Doutor Lenoir, o senhor também estará louco?... Brancion era um grande cirurgião, mas depois do que fez, tornou-se indigno do nosso interesse!
- Mas é uma criatura humana!
- Absolutamente! É uma fera!...
- Razão maior, então, para se tentar nele uma experiência que não teríamos coragem de fazer num paciente normal! Se der resultado, será um triunfo para a ciência, se fracassar, nada mais teremos feito do que abreviar um pouco a vida de um homem que, naquelas condições, não poderá viver mais de um ano.
- Mas é uma temeridade, uma loucura! Essa intervenção não poderá ter êxito. É uma probabilidade contra mil!
- Pois joguemos com essa única probabilidade, professor!
O diretor do manicômio judiciário, aos poucos, se deixava convencer.
- Teremos, porém, de comunicar à esposa dele, - objetara, antes de ceder completamente. - O caso requer a permissão de uma pessoa responsável da família, pois o paciente não está em condições de compreender, nem de decidir.
Lenoir imediatamente tomou o pião na unha, aproveitou a "deixa", como se diz e foi de imediato declarando, para liquidar o assunto e não perder a oportunidade:
- Eu próprio me incumbo de procurar a mulher dele. E então conseguirei uma autorização escrita, não tenha dúvida. Deixe por minha conta.
E, realmente, pouco depois foi ter à residência do professor Brancion, com o intuito de conversar com uma pobre mulher ainda abalada pela dor, sem sequer pensar que, indo reavivar o seu desespero, poderia causar grave prejuízo à saúde da infeliz, e talvez dar um golpe mortal naquele coração já tão duramente ferido.
Dorotéia Brancion estava acamada, quando ele a visitou, vitimada por grave ataque cardíaco.
Uma enfermeira foi quem veio receber o doutor Lenoir e, sabendo que seu desejo era ver a senhora Brancion, disse-lhe:
- Desculpe-me, mas isso é absolutamente impossível! A senhora Brancion está gravemente doente e não pode sofrer a mais leve emoção!
- Mas é que se trata de um assunto de vital importância!
- Razão maior, nesse caso, para que eu não permita que o senhor lhe fale. Admiro-me de que um médico, como o senhor, não saiba as consequências que podem advir de uma emoção, um abalo nervoso, sobre uma pessoa nas condições em que se encontra a esposa do professor Brancion!
O doutor Lenoir havia falado tão alto, que a pobre senhora doente, do quarto onde estava, ouviu tudo.
Trêmula, sua voz se fez ouvir, vinda do fundo do leito:
- Senhorita... Enfermeira... Quem é?... Que é que quer?
- Não é nada, senhora - respondeu a enfermeira disfarçando.
- Mas eu ouvi alguém... Falando, voz de homem... Que é que ele quer?
- Nada de importância, dona Dorotéia... Não se impressione!
- Mande o homem entrar... Quero ver quem é...
- Mas... Dona Dorotéia!...
A enfermeira não teve tempo de terminar, porque Lenoir empurrando-a bruscamente para um lado, atravessou rápido a antecâmara e entrou no quarto de onde ouvira a voz da senhora enferma.
- Senhora Brancion - disse apressadamente - trata-se do professor... o seu marido.
A senhora Dorotéia, empalidecendo, levou a mão ao coração.
- Umberto... - balbuciou - Que fez ele agora?
- Está em perigo de vida!
Coisa estranha, no semblante da enferma não surgiram sinais de grande dor, mas, sim de tranquilidade, que causara verdadeiro espanto ao leviano cirurgião.
- Pobre Umberto... - murmurou a doente. - Dou graças a Deus por ter na sua infinita misericórdia, decidido pôr termo aos seus sofrimentos!
Lenoir fez um gesto de contrariedade. Se aquela mulher pensava assim, adeus operação, não haveria a experiência que poderia deixá-lo famoso, adeus belos sonhos de glória e de riqueza!
Mas decidiu tentar.
- Senhora Brancion - continuou. - ainda resta uma probabilidade de salvar a vida de seu marido...
- Qual é essa probabilidade, moço?
- A realização, a tempo, de uma operação no cérebro.
- Oh!... Não, não o torturem mais ainda!Que adiantaria isso, nas condições em que ele se encontra? Digo, nas condições morais, entende? É o responsável por um crime...
- Mas poderemos salvar-lhe a vida!... Há ainda alguma probabilidade... Se a senhora me desse autorização...
Dona Dorotéia enxugou os olhos num lencinho, pois começara a chorar em silêncio. Ficou algum tempo calada, refletindo. Afinal, disse, com voz quase imperceptível:
- Não, não consentirei nessa operação em Umberto! Que benefício lhe traria ela agora? A vida para ele não viria a ser jamais o que foi, será um misto de dor, humilhação e sofrimento no horror do manicômio judiciário! Não! Deixemos que tudo siga conforme Deus determinou. Eu o amo demais, para ter a coragem de ajudar a condená-lo a viver mais alguns anos, uns dez, talvez, naquele lugar pavoroso! Não! Deus há de me perdoar, mas prefiro vê-lo morto!
A pobre mulher, depois de pronunciar estas sensatas palavras, sufocada, começou a soluçar deixando-se cair sobre o travesseiro. A enfermeira, vendo em que estado de espírito a sua paciente ficara com aquela conversa, e receando que lhe sobreviesse novo ataque do coração, exclamou decidida:
- Basta, doutor! Deixe a pobre senhora! Faça o favor de retirar-se que ela precisa de sossego!
- Mas eu preciso levar uma carta assinada por ela me autorizando a operar o marido... O professor Brancion!
- Dona Dorotéia não assinará carta nenhuma, ela mesma já lhe disse, e se o senhor não a deixar em paz, chamarei a polícia!
Frente a frente com a energia e a decisão da corajosa enfermeira, o doutor Lenoir teve que baixar a cabeça, contendo com grande esforço a cólera que o invadia. Saiu do aposento furioso, batendo a porta atrás de si.
"Maldita mulher!" - pensava, enquanto seguia em sua charrete rumo ao manicômio judiciário. -''Não quer que o opere! A estúpida não compreende que da realização desta operação depende todo o meu futuro, toda a minha carreira! Se der certo, ficarei famoso, pularei por cima de todos os anos de miséria e de trabalho duro que ainda me esperam! E eis que pela burrice de uma velha idiota..."
Um pensamento repentino lhe veio à mente, com a rapidez de um raio em noite de tempestade.
- Mas é isso mesmo! - disse em voz alta. - É o que tenho de fazer! Quem é que vai ficar sabendo? Quem irá impedir?
Um sorriso de triunfo se espalhou em sua fisionomia. Quando chegou ao manicômio, sem sequer passar pelo gabinete do diretor, para lhe contar o "êxito" de sua missão junto à mulher do professor Brancion, foi diretamente à cela do louco. Ao contrário do que não era usual fazer-se, e que ele, principalmente, jamais fazia, pois não gostava de se expor aos acessos de fúria dos dementes, abriu a porta reforçada da pequena cela e entrou, fechando-a depressa atrás de si.
O louco criminoso, aquele que fora Umberto Brancion, o grande cirurgião, com a cabeça entre as mãos, estava sentado na cama.
Estranhamente, aquele dia as dores terríveis pareciam ter lhe dado uma trégua, a insanidade mental não se manifestava em toda a sua tremenda força, os enfermeiros, em consequênçia, não o tinham posto em camisa de força. O doutor Lenoir se aproximou e, pondo-lhe repentinamente a mão no ombro, sacudiu-o bruscamente:
- Professor Brancion! Professor Brancion! Está me ouvindo?
O louco ergueu para ele os olhos injetados de sangue.
- Que quer? Quem é você? - perguntou com voz rouca.
- Sou o doutor Lenoir, o médico encarregado desta seção. Está com dor de cabeça ainda?
- Agora não... - murmurou Umberto Brancion, olhando em torno, como se temesse que a dor estivesse por ali, a espreitá-lo, pronta a investir contra ele. - Não, agora não dói, mas daqui a pouco ela virá... Sentirei as primeiras pontadas na nuca... Depois... Nem quero pensar! Depois, será pior do que me estivessem matando... Ah! Morrer! Por que não morro de uma vez? Por que não acaba tudo de uma vez?!
Levantou-se em seguida, levando as mãos à nuca. Era tal o seu estado psíquico, que lhe bastava pensar na dor, no sofrimento, para que estes sobreviessem piores do que nunca!
- Vá embora! - gritou. - Vá, vá, se não quer que eu o mate!... Odeio os médicos! Odeio todos! Quero morrer! Quero morrer!
Fez menção de atirar-se sobre o doutor Lenoir, mas este, com toda a sua força, o segurou pelo peito, firmemente.
- Calma! Não grite! Domine-se, vamos! - impôs. - Que acha de viver, sim, de viver! Em vez de morrer? Viver sem nada disso que sente hoje no cérebro e que transforma cada minuto em um século de tortura? Gostaria disso? Diga! Gostaria?
Os gritos do louco, àquelas palavras, cessaram, como por encanto...
A razão, naquele instante, pareceu ter superado a loucura.
- Como... Como poderá fazer isso? - perguntou, libertando-se, com gesto brusco, das mãos do médico.
O semblante de Lenoir se iluminou.
- Uma operação! Uma operação no cérebro, por um processo que eu próprio idealizei! Estive, há pouco com sua mulher... Mas ela não quis dar o consentimento...
- Dorotéia? Então ela prefere que eu... Morra? Está feliz, pensando que eu tenho os dias contados? Está ansiosa pelo momento de ver-se livre de mim, de ser minha viúva?
- Foi o que me disse - murmurou, cinicamente, Lenoir.
- Não houve jeito de arrancar de sua mulher o consentimento para a operação. Disse que é melhor que o professor morra... E pensar que bastaria a assinatura dela, apenas a assinatura...
Os olhos de Umberto Brancion se arregalaram imensamente. Como uma fera pronta a atacar sua presa, rangeu os dentes.
- Então, ela quer me ver morto!... - rugiu.
- Ela mesma me disse, faz poucas horas! - insistiu Lenoir, mas sem esclarecer, propositalmente, o motivo da recusa de dona Dorotéia em dar o consentimento, acrescentou: - Disse que não vê chegar a hora em que o senhor descanse de uma vez...
O louco, num salto, atirou-se contra a porta, agarrando-se à grade de ferroe sacudindo-a furiosamente...
- Ah! Maldita!... Quero sair daqui! Deixem-me sair! Vou estrangular aquela mulher com as minhas próprias mãos...
Por sorte, para Lenoir, as forças de Umberto Brancion, minadas pela doença e pelo uso dos remédios calmantes, estavam grandemente diminuídas. Do robusto homem de outros tempos, não restava mais que um farrapo humano. Mais uma vez, Lenoir empurrou para trás o demente, usando toda a sua força e dizendo-lhe ao ouvido:
- Não grite assim, que diabo! Trate de dominar-se! Há ainda uma possibilidade, talvez...
O louco se calou de súbito, enquanto seus olhos desvairados fitavam o rosto do médico...
- Qual? Qual é? - perguntou.
- Pode, por acaso, imitar a assinatura de sua mulher?
O rosto de Umberto Brancion se iluminou repentinamente.
- Claro, claro que posso! - murmurou - O senhor é muito...  Muito inteligente... Claro que sei imitar a letra de Dorotéia! Como não? É a coisa mais simples.
- Pois então... Tente, agora mesmo...
O louco tomou o papel e a caneta que o médico, prevendo êxito, trouxera consigo e sentou-se à mesinha da cela, começando a escrever. Súbito, porém, parou. Ficou a olhar para o doutor Lenoir, em silêncio, enquanto este esperava, com a respiração suspensa.
- Mas... O senhor, que interesse tem nisso? - perguntou, como se só então aquele pensamento lhe tivesse vindo à mente confusa. - Que lhe importa se eu morro ou vivo?
- Professor, o senhor, justamente o senhor, que foi um grande cirurgião, me faz uma pergunta dessas?! Sei que o seu cérebro vacila, que sua mente não funciona normalmente, mas não o considero um louco autêntico, um demente completo... A droga de que o senhor fez uso abusivo, deixou-o reduzido a este estado, levando-o mesmo a fazer o que fez, mas... O senhor está, alternativamente, em condições de raciocinar!
- Sim, isso é verdade. - murmurou Umberto Brancion, quase admirado dessa constatação - eu raciocino...
-Então, procure compreender o que representará para mim o fato de conseguir salvá-lo! Um novo ramo da cirurgia cerebral será aberto e eu serei o seu descobridor! Eu, apenas eu, fui o criador da teoria que desejo pôr em prática experimentalmente, através de uma nova, mas delicada operação nos centros nervosos do cérebro... Todo o mundo médico, todos os cientistas falarão sobre mim! Eu me tornarei uma celebridade, professor!
- E eu, que ganharei?...
- O senhor?... A vida! Não lhe parece que isso seja bastante? Uma vida sem sofrimento, sem essas dores terríveis, uma vida como há muito tempo o senhor não conhece!
- E o senhor acha que eu ainda desejo viver? Acha que eu poderei, acaso, ainda ter apego à vida, agora, depois do que aconteceu?
Lenoir ficou, alguns instantes, em silêncio, indeciso. Nunca suspeitou que houvesse aquela reação por parte do demente, que imaginara poder dominar à vontade, apenas por lhe dizer que a mulher recusara o consentimento para a operação.
- Então, que mais quer? - perguntou.
Umberto Brancion olhou-o demoradamente como quem coordena as idéias...
O ar de loucura quase desaparecera de sua fisionomia, principalmente de seus olhos. Não fora a intensa expressão de ódio e de crueldade que se lia em sua face, poderia passar perfeitamente por uma criatura normal.
- Há quantos anos está formado? - perguntou como resposta à indagação que lhe fora feita.
- Cinco! - disse o médico.
- Que sabe sobre cirurgia plástica?
- Plástica?!...
- Sim, não se faça de desentendido. Não vai querer me dizer que ignora que se pode, cirurgicamente, modificar a fisionomia de uma pessoa, tornando-a praticamente irreconhecível!
- Sim, sei disso, mas... Que relação tem com uma operação no cérebro?
Umberto Brancion fez uma careta, que pretendia ser um sorriso.
- É simples, moço: se o senhor deseja que eu consinta em me deixar operar, se quer que eu imite a letra de minha mulher, a ponto dela própria ser enganada, tem de me prometer que, durante a operação a que me vou submeter, fará também as alterações que forem possíveis nos meus traços fisionômicos, deixando-me diferente do que sou, não importa que para pior!
Lenoir não pôde conter uma exclamação de estarrecimento.
- Professor, que é que lhe importa sua fisionomia? O senhor nunca mais sairá deste manicômio!
Brancion atirou na mesa a caneta que segurava.
- Isso não é da sua conta! Então, nada feito!
- Mas eu não estou em condições de fazer uma operação dessa natureza em seu rosto! Nunca fiz isso, não tenho prática... Poderei desfigurá-lo, professor!
- E que tem isso? Não peço para ficar bonito e, desde que eu o queira...
- Nessas condições, não, não é possível...
O louco lhe deu as costas.
- Então, não escreverei coisa nenhuma!
- Como poderia me justificar perante o diretor, professor?
- E para quê? Ele certamente não assistirá à operação, com receio de se comprometer! O senhor poderá fazer o que quiser, enquanto eu estiver na mesa de operação! Se der certo, se tudo correr bem, depois se arranjará uma explicação.
- Mas eu...
- É pegar ou largar! Imitarei a assinatura de minha mulher, só se for com esta condição.
O doutor Lenoir ficou pensando um momento, hesitante, procurando compreender porque aquela ideia estranha, realmente estranha, surgira na mente ofuscada do professor Brancion, do assassino de ontem e prisioneiro de agora.
Por um momento, teve a tentação de mandar tudo às favas e abandonar o assunto. Mas o pensamento de ter que desistir de um sonho tão bonito, de abrir mão dos projetos que vinha fazendo, de ter que permanecer anos e anos como médico de um manicômio, apagado e rotineiro, até que alguém se lembrasse de retirá-lo dali para outro serviço, levou-o a mudar de ideia. O demônio da ambição lhe murmurava ao ouvido aconselhando-o a aceitar o que o louco queria.
E então, se decidiu. O professor seria operado! Duplamente operado! Um quarto de hora depois, o doutor Lenoir com uma folha na mão, entrava no escritório do diretor do manicômio judiciário.
- E então? - perguntou o chefe da casa. - Obteve a autorização para a operação que deseja fazer no professor Brancion?
- Claro, senhor diretor! Aqui está!
O diretor deu uma olhadela rápida para o papel e logo o meteu numa das gavetas da escrivaninha.
- E então? Está mesmo decidido? - perguntou.
- Mais do que nunca! Farei a intervenção amanhã mesmo, pela manhã.
- Pensou bem os riscos que enfrentará? Se fracassar, não surgirão complicações legais, é certo, mas sua carreira ficará comprometida. Não são olhados com bons olhos, nem bem aceitos, os médicos que, ainda que legalmente, no exercício da profissão, ceifam vidas.
- Correrei esse risco, senhor diretor!
Dando levemente de ombros, o diretor do manicômio judiciário voltou a cuidar dos seus papéis.

3 comentários:

  1. Paulo, que história incrível! O Dr. Démon é Umberto, o pai de George! Estou ansiosa para saber como ele conseguiu escapar do manicômio e fundar outro! Que reviravolta! Muito bom!

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  2. Que reviravolta! Sinto que teremos novas e fortes emoções. É impossível prever o que acontecerá... Ah, notaram o nome: Judas Démon. Judas e demônio. O engraçado é que os personagens não perceberam isso. kkkkkkkkk

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  3. Paulo, estou de boca aberta com este capítulo. Que bomba, nunca imaginei isso. o velho ruim médico Dr Démon, pai do jovem e bom médico Dr George. Valeu o folhetim partindo prá muita emoção. Estou ansiosa pela continuidade. Até.

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