terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

FIC - BORBOLETAS NO CORAÇÃO - CAPÍTULO 3 - AUTORA: SÔNIA FINARDI

III

Rosa olhava fixamente para Claude.  E pensou que os adjetivos que usara para ele não eram nada comparados ao que pensava agora.  Os olhos dele a olhavam, penetrantes e frios como aço.
Mas isso não a deteria, ah, não! 
- Levei um tempo enorme para chegar até aqui. Quase fui... você sabe bem o que. Acho que mereço alguma atenção da sua parte!
Ficaram se enfrentando com o olhar, num longo silêncio.
 - Muito bem, tem toda a minha atençon, mas isso não altera o fato de que você seja uma mulher! Uma mulher querendo fazer o serviço de um homem. – Diz, cruzando os braços.
- Ei, alto lá! Eu tenho um diploma de arquiteta e sou devidamente registrada no CREA. Eu fui contratada pelo seu pai, porque o meu projeto é bom, agradou-lhe. Garanto que estou preparada para realizá-lo!
- Ma chérie Serafina... – diz ironicamente, entonando o “a” de maneira carregada - Non sei com quantas pessoas você usou o mesmo truque para conseguir um contrato, mas eu non serei o próximo... Se non reparou, quem assinou a carta fui eu, non meu pai. Quem está no comando dessa reforma, sou eu. E eu non quero um mulher estragando tudo!
- Quem estragou tudo foi você... Eu posso fazer este trabalho tão bem quanto qualquer homem...  até  melhor, tenha certeza! Eu vim de São Paulo até aqui para cumprir esse contrato e vou cumpri-lo!  Eu nunca enganei ninguém para conseguir alguma coisa. – Diz, controlando a raiva que sentia.
Claude empurra a cadeira para trás e se levanta, dando a volta na mesa e ficando em frente à Rosa.  Sua altura era suficiente para dominá-la.
- Srta... Petroni, creio que non me entendeu – Começa, passando as mãos pelos cabelos – Estamos falando de uma reforma, onde a maioria dos trabalhadores son homens, nem sempre ton  gentis, se é que me entende... Acha mesmo que conseguirá impor respeito, fazê-los obedecerem-na?
Os olhos dele percorrem seu corpo, detendo-se nas curvas sedutoramente femininas.
Rosa não responde de imediato, olhando-o fixamente. Pelo jeito, ele gostava de mandar e ser obedecido.  Um verdadeiro ditador.  Embora temesse ser literalmente dispensada do projeto, não se dá por vencida:
- Vim para cumprir um contrato. E vou cumpri-lo, ora se vou! Vou provar a você que posso conduzir uma turma de peões de obra melhor do que você conduziria um harém!
Claude encarou-a por um longo tempo. O suficiente para Rosa se arrepender do que dissera. Agora sim ele a expulsaria da fazenda...
Mas ele começa a rir. Um riso profundo e contagiante, irresistível mesmo, pensa ela, apesar da tensão que sentia.
- Não vejo motivos para sua risada! Não há nada engraçado em ser preconceituoso, pelo contrário! – Fala rispidamente, tentando não se deixar seduzir por aquele sorriso que ainda brincava nos lábios dele.
- La persévérance vient à bout de tout. Vous semblez une chatte qui veulent passer par une tigresse...
- Pode falar em português, por favor?
- A perseverança é a mãe do sucesso e você... você parece uma gatinha querendo se passar por tigresa! – Traduz de bom humor...
Rosa reprime a vontade d e sorrir.  Não daria a ele a chance de perceber o quanto a perturbava. Continua de onde parou:
- Sr. Geraldy...
- Meu nome é Claude, Serafina.
E dessa vez não houve ironia ou provocação dele ao falar seu nome.  Ao contrário, sua voz fora doce e estranhamente íntima, provocando uma onda de calor no corpo de Rosa.
- Ok... Claude – Ela tenta fazer sua voz sair num tom impessoal, porém decidido – Temos um acordo... aquele  e-mail e a carta constituem nosso contrato  legítimo de trabalho. Creio que não gostaria de um processo trabalhista, isso abalaria a vinda de turistas pra sua fazenda!
- Mon Dieu! Tenha calma, hã? Guarde suas garras afiadas e deixe-me chegar a uma decison...
Por alguns instantes, Rosa não soube o que fazer ou para onde olhar, tamanha ansiedade que sentia. Algo lhe dizia que trabalhar ao lado de um homem como ele seria ficar sob tensão direta! Mas também desafiadoramente excitante - cochichou-lhe uma vozinha secreta...
- D’accord! Embora eu non esteja plenamente convencido, você fica. Mas lembre-se, você pediu para ficar! Se acontecer algo desagradável, non me culpe! Como pode perceber, isso é quase um deserto, non há diverson nem luxos, gatinha...
- Não se preocupe, eu estou acostumada a coisas simples...
- A propósito, como foi que chegou até aqui?
- O seu vizinho, Rodrigo, me socorreu ontem. Ele me trouxe até aqui e disse que ia providenciar o guincho e conserto do meu carro...
- Entendi. Eu fiquei preocupado contigo, quando retornei e non te achei mais por lá, apenas o carro. Andei vários quilômetros à sua procura...
Rosa não soube o que dizer. Era mais fácil enfrentar a arrogância de Claude Geraldy, que essa preocupação demonstrada agora... Mas antes que pensasse em algo para dizer, escuta:
- Bem, discutimos a lista de materiais e equipamentos depois do almoço, após eu lhe mostrar a fazenda e suas dependências... Por enquanto, você está liberada – Diz, olhando de maneira sugestiva para Rosa, antes de voltar à sua cadeira, indicando que o assunto estava encerrado.
- Bem... então, vou desfazer minhas malas. Com licença. – E sem esperar uma resposta vai para o quarto onde dormira.
Depois de ligar para sua mãe e assegurá-la que tudo estava bem, ela abre a mala. Incrível, mas por ali, o celular funcionara perfeitamente! Devia ser a altitude.
Enquanto desfazia a mala, arrumando suas roupas no armário, seu pensamento ia e vinha. Aquele trabalho era importante para sua carreira, tinha certeza disso.  Além do mais, a quantia que o pai de Janete se propunha a pagar era mais do que tinha em mente pedir. Daria para projetar-se como autônoma, tão logo voltasse para São Paulo.
Isso se você voltar... – Ouve de novo uma voz a cochichar em seu ouvido e lembra-se dos olhares e insinuações feitas por Claude.
Não! Não iria cair nesse joguinho de sedução. Seu relacionamento com ele seria estritamente profissional. Negócios e nada mais!
Mesmo porque, não pensava em se envolver com ninguém no momento. Seu relacionamento com Júlio fora um desastre, um erro desde o princípio. Uma relação morna, sem grandes emoções. Tudo muito “certinho”. Júlio estava sempre viajando a serviço e nunca havia ido além de alguns beijos. Isso em quatro anos juntos.
Nunca seu coração havia batido tão forte por Julio, quanto batera nos dois encontros com Claude. O modo como a camisa dele, entreaberta, deixava alguns pelos do peito à vista e a combinação daquele olhar penetrante com um sorriso sedutoramente cínico, mexia com sua estrutura... Sem contar o perfume...
Realmente, ele sabia usufruir da aura máscula e viril com que a natureza o presenteara...
- Estou indo longe demais com meus pensamentos... Hora de fazer alguma coisa! – Fala para si mesma, caminhando para as portas que davam para a varanda, limitada por grades de madeira, que circundava toda a casa e saindo.
Sozinho novamente no escritório, Claude tenta se concentrar na tela do computador. Mas bastou fechar os olhos por um instante e lá estava ela: presa sob o seu corpo, roupa toda molhada, provocando seus instintos...
- Mon Dieu! Essa gatinha tem o dom de mexer com meus hormônios! Tem um temperamento forte, audacioso e decidido!
Pela primeira vez, encontrara uma mulher que desafiava seus princípios.  Corajosa o bastante para desafiá-lo e provocar uma mistura de irritação e atração com aquele corpo curvilíneo, os cabelos negros e aquelas pernas torneadas... 
Não fosse a língua ferina, seria perfeita!
Então, ao mexer-se na cadeira, um desconforto o lembra da pontaria certeira dela e com uma careta, ele volta sua atenção à tela a sua frente.
Ali da varanda a casa parecia ainda maior, constata Rosa.  Fora projetada em forma de “L”, provavelmente na parte mais alta da fazenda, pois dali podia-se apreciar toda a parte sul da fazenda e, mais além, as copas das árvores da floresta pantaneira. Não havia como descer diretamente para o jardim.
- Isso é um erro que deve ser corrigido! Escadas externas nas laterais serão uma ótima solução... – Rosa procura seu bloco de anotações e inicia uma série de anotações... Fica tão concentrada que não escuta as batidas na porta.
- Rosa, com licença! – Escuta a voz de Janete a chamá-la, entrando em seguida. – Nossa, por que esse olhar de quem deseja me...
- Você me fez entrar sozinha de propósito...  Janete, você sabia disso, não é?  Dessa confusão toda do nome! Você... você  sabia que o motoqueiro era o seu irmão!!! E me jogou na toca do lobo!
- Minha querida Rosa, devo-lhe um pedido de desculpas! – Fala Janete, tentando conter o riso – Mas quando Claude comentou com meu pai que o responsável pelo projeto era um profissional e tanto, referindo-se a você como um homem e proclamando que uma mulher não teria jamais essas ideias, eu fiquei com tanta raiva... Tudo porque a noivinha dele roubou um projeto e vendeu a um concorrente! E depois, você me conta aquela história... Eu desconfiei que era o Claude, mas não tinha certeza...
- E me usou pra testar o seu irmão? Tudo por causa de uma falha de impressão!
- Perdão... Eu queria apenas me divertir! E foi muito divertido!  Você continua a mesma Rosa de quando éramos crianças: não leva desaforo pra casa! Isso é uma das coisas que eu admiro em você!
- Foi muito divertido? Você ficou escutando atrás da porta!!!  Eu não acredito!
- Oras! Se tinha alguém que podia enfrentar o Claude e levar a melhor, era você, Rosa! E eu tinha razão! Tanto que ele recuou e você fica!
- Sei... Essa vai para o meu caderninho! Você me aguarde, vai ter volta!
- Você vai conseguir domar o meu irmão, eu tenho certeza! Agora vamos descer? O almoço está servido.
Algumas horas depois de um almoço tranquilo e agradável, Claude a chama para começarem a trabalhar no projeto. Mas antes, ele mostraria as dependências da fazenda.
Além da casa principal, construída mais recentemente, havia outras menores. Dariam excelentes chalés, isoladas da casa grande. Um enorme galpão, onde algumas máquinas eram guardadas, poderia se transformar num salão de festas ou num bar comunitário com shows ao vivo...
Entre todas as construções, havia um jardim. Alguns um tanto descuidados, mas que, com um bom trato, em pouco tempo, estariam floridos novamente.
Todas essas ideias iam sendo anotadas, juntamente com as opiniões de Claude, que parecia mais amigável e descontraído, até que o celular dele toca e ela o escuta dizer rispidamente, com a respiração alterada:
- Mon Dieu, o que você ainda quer com minha pessoa, hã?
Rosa se afasta. Na certa, devia ser a noiva dele.
Uma francesa loira, sexy, com os cabelos perfeitamente penteados, os lábios sensuais e vermelhos, vestindo um modelo exclusivo, ousado e coberta de diamantes. Jovem e com um rosto lindo e clássico...



Rosa deu um suspiro e se afastou ainda mais pelos jardins. Por um breve instante se perguntou por que isso a incomodava tanto... E aquela voz, dentro de seu coração insistia em perguntar, como seria ser a noiva de Claude Geraldy... Como seria pertencer a ele...
Então, se concentrou em examinar as flores que encontrava, deliciando-se com seus perfumes e pensando que dariam excelentes fotos. Nem percebeu que se afastava além do que tinha andado.
De repente, o canto de um pássaro a tira do devaneio e ela volta à realidade... E agora?  Pra que lado devia voltar? Quase em pânico, começa a correr entre os arbustos e tudo que parecera encantador se torna um labirinto.  Olhou à sua volta, tentando encontrar o caminho certo, quando chocou-se contra o peito de um homem. Antes mesmo de reconhecer a camisa, o perfume dele a envolveu e sua respiração falhou. Sabia que era Claude.  Sentiu que os braços dele a envolviam, amparando-a.
No silêncio que se seguiu, conseguia ouvir as batidas do coração de Claude, misturadas à sua, contra o seu rosto...
- Voilá! Aqui está você, gatinha! Fugindo de alguém?
- Não estou fugindo de nada, nem de ninguém, apenas perdi a direção para voltar...
Claude solta uma risada baixa, leve e agradável. Rosa sabia que devia se libertar dos braços dele, mas ele não diminuía a pressão com que a segurava, ficando evidente que não queria se mover.
- Gostou desta parte da fazenda?
- Adorei!  Imagino que seja prazeroso morar num local assim, tão próximo da natureza... Um local ideal para se  criar os filhos-  Rosa nem sabe por que diz aquilo.
- Opa... minha gatinha é romântica... – Diz, estreitando os olhos e curvando os lábios num sorriso zombeteiro.
Rosa quis gritar que não era “sua gatinha” , mas o olhar dele tirou-lhe todas as forças...
- Desculpe, não quis parecer tola...
- Non precisa se desculpar por ser romântica...  Relaxe, gatinha. Relaxe e aproveite, hã?
Mas era um abusado! Rosa quis dar uma resposta mordaz e irônica, mas não teve tempo. Claude inclinou-se e beijou-a, com uma tranquilidade incrível. Um beijo terno, insistente e apaixonado... Aquilo era loucura...
Lutou para não ceder, mas foi uma batalha perdida. Aquele beijo tirava-lhe a razão, como nenhum outro havia feito...
Quando ele se afastou, Rosa se deu conta que havia abraçado Claude pelo pescoço e correspondido intensamente...
- Está vendo... você é mulher!
Aquelas palavras tiveram o efeito de uma bomba. Rosa endireitou-se e sua mão atingiu o rosto dele numa bofetada certeira...
- Seu... abusado! Eu lamento desapontá-lo, mas o único papel que pretendo desempenhar aqui é o de arquiteta!
Claude olhou-a de maneira indecifrável, enquanto respondia:
- D’accord, Serafina! Foi para essa função que a contratei, non é mesmo? Para outras, eu escolho mulheres mais... calorosas e amadurecidas...
Rosa ficou sem fala... Por que dera tanta importância ao beijo e sentia seu corpo esquisito e sua mente vazia?? Por que a simples presença dele a descontrolava?
Com os punhos cerrados, começa a bater no peito dele, empurrando-o ao mesmo tempo.
- Você é desprezível! Estava tentando me testar! Pois saiba que não sou dessas! Não irei para a cama com o primeiro Don Juan que aparecer na minha frente!
Claude não esperava essa reação de Rosa e tenta segurar-lhe as mãos, ao mesmo tempo que se desvia dos golpes, dando um passo atrás, falando:
- Se eu fosse Don Juan, você seria a última da lista, pode ter certeza!
E esse foi seu erro... Desequilibrada, Rosa desaba em cima de Claude e os dois caem num canteiro gramado, num silêncio momentâneo...
As mãos de Claude a envolviam pela cintura, causando uma reação química eletrizante e sua boca estava perto demais da dele, mas a expressão de Claude não era de felicidade...
Rosa só entende que era de dor, quando percebe onde seu joelho o acertara na queda...
- Você é uma ameaça à minha existência! - A dor era até suportável, mas perceber que aquela parte de seu corpo reagia com desejo por ela, mesmo naquela situação, foi um choque para Claude. – Non se atreva a fazer isso novamente!

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