sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O INFERNO DE UM ANJO - SEGUNDA PARTE - CAPÍTULO 20 - PARTE 1 - COLABORAÇÃO: PAULO SENA

O INFERNO

DE UM ANJO

Romance-folhetim



Título original:
L’enfer d’un Ange




Henriette de Tremière/o inferno de um anjo

(Texto integral) digitalizado
e revisado por Paulo Sena

Rev. G.H.
BIBLIOTECA GRANDE HOTEL


Capítulo XX – Parte 1


NO "GARDÊNIA AZUL"

A infeliz Maria "Flor de Amor" não tinha a mais longínqua ideia do que ocorrera na casa da quiromante, nem podia imaginar que Luís Paulo estivera ali, tão perto dela que teria podido vê-lo, se acaso abrisse uma porta.
Pelo que lhe dizia respeito, pelo menos até aquele momento, não tivera motivo algum para se queixar da suposta vidente e adivinha.
A única coisa que a desgostava era a silenciosa presença do hindu Jordi, que parecia ter o mágico poder de se encontrar, no mesmo instante, em todos os lugares do palacete misterioso, qual uma espécie de zeloso e temível guardião de seus segredos.
Após dar uma olhada no seu quarto, Maria "Flor de Amor", nada tendo que fazer, pensara em descer para o andar térreo, para pedir instruções à nova patroa. Mas, assim que abriu aporta, com um misto de susto e medo, deu com o hindu que, com um gesto decidido, fez-lhe ver que não devia deixar seu quarto, até que fosse chamada.
Talvez, naquele momento, Luís Paulo estivesse entrando na sala da quiromante e o hindu, com sua fina e quase surpreendente intuição, achara oportuno, por sua própria iniciativa, não permitir que a jovem andasse pela casa, correndo o perigo de ser vista.
Só mais tarde, Jordi viera bater à porta do quarto e, desta feita, quando Maria "Flor de Amor" abriu, trêmula e emocionada, sempre por meio de mímicas, simples, mas muito expressivas, fez-lhe sinal para que o acompanhasse, entrando numa sala de jantar luxuosamente mobiliada e cuja mesa estava posta para duas pessoas.
Poucos minutos depois, a marquesa Renata, agora falsa cartomante, que trocara o vestido excêntrico que usava durante as sessões por outro, ainda com o semblante alterado pela cólera mal contida, entrou na sala.
Mal avistou, porém, a jovem, sua expressão se modificou, afetando bondade:
- E, então, minha filha, como se sente em minha casa? Está bem?
Um pouco intimidada ante a bela e elegante dama que emanava de sua pessoa um perfume talvez demasiado forte, Maria "Flor de Amor" respondeu:
- Estou bem, minha senhora, obrigada. Estive à espera de instruções suas sobre meu trabalho, quero dizer, sobre o que tenho de fazer para ajudá-la.
- Ah! Seu trabalho - fez a falsa Ivonne Delapierre, ou seja, a mistificadora marquesa Renata, com amargor na voz. - Acho que vou ter que alterar o meu programa sobre isto!
Vislumbrando o sentido daquela frase, Maria "Flor de Amor", com uma sombra de tristeza no semblante de linhas puríssimas, murmurou, desanimada:
- A senhora está querendo dizer que... Não vai precisar mais de mim? Que não vou ficar aqui?
Esta ideia, como é óbvio, estava bem longe de aflorar à mente da pérfida e falsa quiromante que, muito apressadamente, tranquilizou-a:
- Oh! Que está pensando? Gosto realmente de você, minha cara Maria "Flor de Amor". Sente-se à mesa comigo e coma qualquer coisa. Enquanto isso, falaremos sobre seu futuro e também sobre seu passado.
A satânica marquesa possuía inata habilidade para provocar as confidências das pessoas, usando seus dotes incomuns de magia e de experiência. Da mesma forma como, muitos anos antes, lograra conquistar a confiança do conde Fernando, pôde bem depressa induzir a ingênua mocinha, desejosa de carinho e conforto, a lhe revelar as penas que se lhe agasalhavam na alma.
Assim, sob a aparência de real interesse maternal, ia conhecendo detalhes interessantes, dos quais, pensava, não deixaria de tirar proveito algum dia, ainda mais, desfrutando como já sentia que estava acontecendo, de grande ascendência sobre a jovem. Apesar de tudo, a malévola mulher não podia deixar de pensar, quase sem interrupção, na situação precária em que se encontrava, ante as ameaças de seu ex-apaixonado, o investigador Ubaldo Duroi.
Sabia muito bem que este seria muitíssimo capaz de pô-las em prática.
Dessa forma, Maria "Flor de Amor", embora toda voltada para suas próprias preocupações e temores, não pôde deixar de notar a agitação e o nervosismo da quiromante, que ela demonstrava em todos os gestos e palavras. Cheia de gratidão pelas bondosas palavras que a cartomante lhe havia dirigido com falsidade, a moça indagou ansiosamente, depois que Jordi, sempre silencioso e trancado na sua hermética impassibilidade, havia servido o café.
- Perdoe-me, senhora, se ouso fazer-lhe uma pergunta, talvez indiscreta, mas estou vendo-a tão nervosa... Está com uma grande preocupação, não está? Se for alguma coisa em que eu possa ajudá-la, sentir-me-ei muito feliz em ser-lhe útil.
Renata sorriu ligeiramente.
- Agradeço-lhe, querida, mas acho que nem você, nem ninguém terá possibilidade de ajudar-me.
- Trata-se, então, de coisa assim tão grave?
- Depende do ponto de vista...
A jovem, não compreendendo aquela evasiva, piscou ligeiramente e franziu o cenho, dizendo:
- Não entendo...
Se a infeliz Maria "Flor de Amor" tivesse noção do perigo que a estava ameaçando naquele momento, teria saído a correr daquela casa, para bem longe da mais maléfica de todas as mulheres. Mas, desgraçadamente, nada fazia com que ela duvidasse estar diante de uma pessoa muito cordial, amável e cheia de boas qualidades, desejosa apenas de fazer o bem...
Enquanto isso, a malvada marquesa havia refletido demoradamente, brincando, distraidamente, com uma colherinha de prata...
- Afinal - disse, depois de certo tempo, como quem toma uma decisão - o melhor é eu lhe dizer mesmo tudo. Você parece-me bastante inteligente para compreender... Minha situação é muito grave, muito mesmo: estou sendo procurada pela polícia!
Maria "Flor de Amor" não pôde conter uma exclamação de doloroso estupor.
- Pela polícia?!... Oh, é horrível! Mas... A senhora nada fez, não é verdade?
Renata assumiu um ar ainda mais aflito.
- Não sabe como me conforta, quanto lhe agradeço ao me absolver assim, antecipadamente, minha filha... Infelizmente, porém, trata-se de gente que não pensa como você, ao que parece.
- E a senhora não pode defender-se?
- Isso são palavras! Eu, naturalmente... - achou que devia acentuar bem a pérfida criatura - não pratiquei nenhum delito, nada fiz de que me sinta culpada, mas evidentemente as quiromantes não são muito bem vistas nesta cidade...
Maria "Flor de Amor" continuava a não perceber bem o assunto.
- Mas se nada fez de mau, se não desrespeitou a lei, não há motivo para que a obriguem a ir embora!
Desta vez, a risada da marquesa foi sarcástica e ressoou pela sala.
- Ah, ah, ah! Minha boa Maria "Flor de Amor", como você é ingênua! Fique sabendo que a polícia não está me mandando embora, mas simplesmente quer me prender!
- Mas é injusto!
- Eu sei, mas a gente da polícia é gente poderosa, que não compartilha da sua simpatia para comigo, infelizmente. Os tempos são duros, a competição, a inveja, a cobiça, tudo isto pode se voltar contra uma pessoa, às vezes. Mas isso são detalhes sem importância... O importante é isto: se eu não sair daqui, o mais depressa possível, certamente, serei detida. Não é preciso ser adivinha do futuro, para saber isto... - acrescentou com sarcasmo, e sem deixar, por um instante, de fitar a moça nos olhos.
Maria "Flor de Amor", seriamente impressionada, perguntou:
- E a senhora que pretende fazer, então?
- Em casos assim, as soluções drásticas são as melhores: sairei desta casa.
- Cessará seu trabalho, assim de repente?
- Mas, se sou forçada a isso!
Involuntariamente, Maria "Flor de Amor" murmurou, quase para si mesma:
- Pobre de mim! Que farei, agora?
Mas, demonstrando ter um ouvido fino, como se já estivesse à espera daquele comentário, a marquesa Renata respondeu diretamente à jovem:
- Que acha se fosse comigo?
Maria "Flor de Amor" hesitou.
- Alguma coisa a retém aqui? - indagou a falsa quiromante.
- Tem alguém à sua espera?
Sabia perfeitamente que nada disso havia e realmente a mocinha respondeu, triste:
- Não. Não tenho ninguém... Estou sozinha, agora.
- Então, que lhe impede de vir comigo? Bem... Talvez não tenha confiança em mim? Pensa, acaso, que eu seja realmente uma criminosa.
Na sua adorável ingenuidade, temerosa de haver ofendido a endiabrada aventureira, Maria "Flor de Amor" rebateu:
- Oh! Não diga isso, senhora! Tenho inteira confiança! Apenas...
- Apenas?
- Para onde iremos? Pode dizer-me?
- Direi com o maior prazer, eu mesma, quando souber - exclamou Renata, nervosamente. - Infelizmente, graças ao interesse pessoal de... um indivíduo que conheço, os acontecimentos se precipitaram e eu ainda nem tive oportunidade de fazer essa escolha. Por enquanto... Permaneceremos na cidade. Poderemos ficar num pequeno hotel modesto, fora de mão, que conheço bem e onde estou certa de que não irão me perturbar.
- Então - decidiu Maria "Flor de Amor", após um instante de reflexão - irei com a senhora.
Uma sádica expressão de alegria iluminou o semblante astuto da marquesa Renata. "Acertada decisão!", pensou a malvada criatura, sempre observando com condescendência a moça. "Sua ingenuidade lhe poupa muitos aborrecimentos, pode estar certa. Se não tivesse aceito, eu a faria concordar por uns sistemas "convincentes" que conheço.
- Bem. Uma vez que estamos de acordo sobre este ponto, tratemos de arrumar o que é nosso. Não devemos permanecer nesta casa nem um minuto além do estritamente necessário.
Ergueu-se da cadeira e acrescentou:
- Confesso que deixo esta bela moradia com tristeza, mas tenho que fazer das tripas coração.
Ajudada, então, pela ativa Maria "Flor de Amor", a marquesa Renata começou a arrumação.
A moça foi encarregada de reunir agasalhos, vestidos, tudo o que pudesse e conviesse ser levado numa grande mala. A mãe de Denise, por seu lado, tratava de juntar numa sacola de couro suas joias e todo o dinheiro que havia em casa. Na realidade, não se poderia dizer que os seus negócios estivessem andando mal, nos últimos tempos, uma vez que clientes não lhe faltavam e muitos deles costumavam pagar sem discutir o que ela estipulava pela consulta.
Além disso, a marquesa Renata, no exercício do mister de cartomante, era bastante viva e inteligente para interpretar a psicologia daqueles que a ela recorriam. Por isso, nunca deixava, na fase final da consulta, baseada no que ouvira, de prever qualquer coisa muito do agrado da pessoa consulente, de modo que esta, animada e favoravelmente impressionada, nada tinha a opor, quando ela dizia o preço bem salgado das previsões.
Foi assim que, naquele momento da partida, verificou que estava de posse de uma soma bastante elevada.
"Não poderei andar na cidade", dizia a si mesma, enquanto arrumava as coisas na sacola, "pois seria perigoso, mas vou antes de tudo me vingar daquele miserável Ubaldo!".
"Vai saber o quanto custa desconfiar de mim, procurar impor sua vontade a esta que aqui está! Quanto a Denise, depois veremos quem pode mais e, então, ela se arrependerá amargamente de ficar contra mim! Minha vingança será fulminante e cairá sobre ela quando menos esperar!"
Os preparativos não demoraram muito tempo. Uma vez terminados, a falsa cartomante, que trajava agora um costume cinzento, muito elegante, apanhando a bolsa de couro que continha o dinheiro, foi ter com Maria "Flor de Amor" e lhe disse:
- Pronto! Podemos ir embora.
A jovem, encabulada, olhou expressivamente o grande baú que enchera com boa parte dos numerosos vestidos da sua patroa.
- Parece que vai ser um problema levá-lo... - murmurou.
Mas a marquesa respondeu com um sorriso zombeteiro:
- Estando na minha companhia, você não tardará em saber que não são muitos os problemas capazes de me deixar em dificuldade. Se o problema é apenas um baú, é simples: - Jordi!
Ao chamado da patroa, o hindu apareceu imediatamente e se curvou cheio de respeito.
- Pegue este baú e coloque-o na carruagem - ordenou a marquesa, com voz dura: - Ande depressa!
O hindu abaixou a cabeça, dando demonstração de haver entendido. Depois, ante o olhar estupefato de Maria ''Flor de Amor", estendeu os compridos braços, nos quais certamente estava acumulada a força que lhe faltava nas pernas curtas e, sem esforço aparente, com a maior indiferença, ergueu a mala acima da cabeça e levou-a.
Renata se sentiu no dever de explicar à sua nova vítima:
- Se os acontecimentos não me tivessem vindo alterar a vida, obrigando-me a ir embora como estou fazendo e tivéssemos podido permanecer ainda um pouco aqui, você teria podido verificar a que ponto, como criado, Jordi era precioso!
Ele tem habilidades e possibilidades que, em certas ocasiões, se poderiam dizer sobrenaturais!
Maria "Flor de Amor" que, mal havia entrado na casa da vidente, já ficara vivamente impressionada com a estranha personalidade do hindu, respondeu:
- Acredito piamente, senhora. Se não houvesse presenciado isso, se não tivesse visto com meus próprios olhos, não acreditaria que existisse um homem com tamanha força.
- Ele ficará aqui, tomando conta do palacete. Ficam ainda aqui muitas coisas de valor e não quero me arriscar a ser roubada.
Depois de ter dado uma olhada em torno, Renata acrescentou:
- Bem. Nada mais temos a fazer aqui... Ivonne Delapierre, a cartomante, neste momento, deixa de existir!
Com andar felino, a perigosa mulher deixou o jardim do palacete, acompanhada pela mocinha e, depois de ter dado a volta em torno do edifício, entrou numa ampla coudelaria que ficava na parte posterior da construção, invisível para quem chegava ou passava pela rua.
Lá, uma sólida carruagem preta estava guardada. Na parte posterior, o baú já fora colocado por Jordi, que estava ao lado, esperando.
- Está tudo em ordem? - perguntou a marquesa Renata ao cocheiro, que segurava uma das portas abertas da carruagem.
A resposta do cocheiro foi afirmativa. Então, a marquesa, dirigiu-se ao hindu:
- Cuide bem do palacete - recomendou àquele homem que parecia verdadeira máquina de obedecer. - Se as coisas se complicarem, já sabe o que tem de fazer...
Uma careta, que devia ser um sorriso, iluminou por um instante a fisionomia de Jordi, foi, porém, apenas um instante e logo seu rosto voltou a ser mais impenetrável do que nunca.
O cocheiro estava na boléia da carruagem e as duas mulheres nada mais tiveram que fazer senão subir e sentar-se no interior do veículo.
- Para onde estamos indo, senhora? - perguntou Maria "Flor de Amor".
Como única resposta, a malvada de olhos verdes perguntou, por sua vez:
- Não creio que já tenha ouvido falar alguma vez do "Gardênia Azul", não é verdade?
- Realmente - concordou a jovem. - De que se trata? Um hotel? Um restaurante?
- Uma mistura das duas coisas... Não estamos longe, aliás.
O rosto da marquesa Renata estava tenso, contraído naquele momento. Maria "Flor de Amor", interpretando mal sua preocupação, disse timidamente:
- Minha senhora, se não vê inconveniente, tomaremos um aposento apenas... Será menos dispendioso...
A marquesa, porém, tinha muito bons motivos para não aceitar a generosa proposta da outra. E respondeu, com a voz alterada:
- Fique tranquila, menina. Não é de poupar dinheiro que eu preciso no momento. Oh, estamos chegando...
Maria "Flor de Amor" lançou um olhar rápido pela janela da carruagem e verificou que esta, enquanto falavam, entrara por uma rua transversal, mais estreita e menos iluminada, na qual a única nota colorida era a tabuleta azul que oscilava, dependurada à porta de um albergue.
Renata ordenou ao cocheiro que detivesse a carruagem e logo desceu, sendo imitada pela sua protegida. Antes de entrar, porém, à mulher disse, rapidamente:
- Para não ter que dar explicações, vou fazê-la passar por minha filha. Está de acordo?
- Está bem, senhora. Espero não fazer figura triste...
- Não há perigo!
Ainda um tanto preocupada, Maria "Flor de Amor" acrescentou:
- Há um detalhe que a senhora não deve esquecer: eu não tenho absolutamente nenhum documento de identidade...
- Ah! Isso não tem nenhuma importância. Você vai ver que aqui não se olha muito para essas tolices.
No vestíbulo do albergue, um porteiro sonolento, embora a hora não fosse tardia, acolheu as duas mulheres e, abrindo um livro de registro de hóspedes, começou a indagar, com má vontade, nomes e sobrenomes.
- Wanda Monteluce - respondeu sem hesitação a marquesa Renata - e esta é minha filha.
- Dois quartos?
- Sim e, se possível, que tenham comunicação.
- Pretende ficar muito tempo?
- Não sei, ainda não decidi.
O porteiro disse o preço dos aposentos e, logo depois, estendeu ainda a mão.
- Pagamento adiantado.
Sem se mostrar chocada com aquele modo de agir, verdadeiramente fora do normal, a marquesa pagou e, depois de receber a chave, ordenou:
- Logo que for possível, mande-me levar ao quarto a mala que está na minha carruagem.
- Só amanhã pela manhã, quando o empregado chegar, antes disso não.
- Eu disse logo que for possível!
- Está certo, não precisa zangar-se. Os quartos ficam no primeiro andar. Números cento e treze e cento e catorze.
Quando as duas subiam a escada, forrada com um tapete gasto, encontraram um rapazinho, visivelmente embriagado, que descia com pernas bambas. Mal avistou as recém-chegadas, porém, se endireitou todo e, depois de tê-las olhado com olhos turvos, gritou para o porteiro:
- Eh, Carlinhos! Duas belezas, hem?!
Mas o porteiro, sem se perturbar, respondeu lá de baixo:
- Desça, senhor Bob. São novas hóspedes, que chegaram agora. Não queira logo avançar o sinal!
O rapaz agitou os braços e retrucou, recomeçando sua difícil descida:
- Está bem... Está bem. Não precisa irritar-se... Disse só para agradar!
Logo que entraram nos quartos que lhes haviam sido indicados, com um gesto de alívio, Renata tirou os sapatos e sentou-se na beira da cama.
- Muito bem - disse com um suspiro de satisfação. - Por ora, estamos em lugar seguro.
Maria "Flor de Amor", ainda um tanto assustada por causa do que havia acontecido poucos minutos antes, disse, com um fio de voz:
- Mas, senhora, que tipo de lugar é este? Viu aquele rapaz como nos olhou? Ouviu o que ele disse?
Renata lançou um olhar de esguelha à mocinha.
- Tolices! Por que se preocupa? Este é o único lugar onde eu posso... Onde podemos estar com segurança, certas de que a polícia não nos virá perturbar!
-Sim, mas não me parece um lugar adequado para a senhora...
Renata atirou a cabeça para trás e desatou numa daquelas risadas sardônicas que tinham o poder de causar arrepios à jovem companheira.
- Ah, ah, ah, ah! Esta é boa!
Verdadeiramente admirada, Maria "Flor de Amor" perguntou:
- Por que ri assim, minha senhora?
- Nada... Nada... Foi uma coisa de que me lembrei... Mas não deve ter medo. Enquanto estiver comigo, nada poderá lhe acontecer, nada de mal. Eu a protegerei!
A jovem baixou a cabecinha loura, mortificada.
- Sou-lhe muito grata por tudo o que está fazendo por mim. Obrigada!
- Ora! Deixe de bobagens! Eu...
Ia certamente dizer mais alguma coisa quando, de repente, no silêncio do hotel, ouviu-se um grito estridente, angustiado, que a fez, malgrado seu, estremecer, assustada. Ao mesmo tempo, violentos ruídos vieram do corredor que as duas haviam percorrido havia pouco. Maria "Flor de Amor", aterrorizada, disse com voz trêmula:
- Está acontecendo alguma coisa grave! Há alguém que parece estar precisando de auxílio...
- É melhor que não se envolva... Deixe pra lá!
Novamente, mais fraco daquela vez, o grito se fez ouvir. Desta feita, movida por um impulso generoso, Maria ''Flor de Amor" correu para a porta, mas Renata impediu-a de abrir, gritando:
- Fique quieta! Não se preocupe, querida. – disse, pouco depois, a marquesa. - Falei que você é minha filha e ninguém a tocará num dedo, ninguém lhe fará nenhum mal, verá.
Aliás, diga-me uma coisa: gostaria de ser minha filha de verdade?
- Gostaria, sim - foi a resposta, embora um pouco incerta, de Maria "Flor de Amor".
- Sabe que, se eu quisesse, poderia conseguir para você uma grande fortuna? Poderia torná-la condessa! Gostaria?
Maria "Flor de Amor" olhou demoradamente para a marquesa e disse:
- Houve tempo em que eu sonhei tornar-me fidalga, mas apenas porque o homem que eu amava e que ainda amo, ao ponto de nunca poder pertencer a outro, é um barão.
- Este modo de sentir a honra bastante. Mas fala nisso com um tom de voz que faz pensar que desapareceram para você todas as possibilidades...
- Infelizmente, é assim, minha senhora! Eu e Luís Paulo nunca mais poderemos voltar a ser o que fomos por algum tempo. Uma barreira intransponível nos separa!
- Uma barreira? Que obstáculo poderá ser mais forte que o amor?
- A barreira do matrimônio! Ele, agora, está casado...
A marquesa mostrou, rapidamente, os alvíssimos dentes, num sorriso.
- Casado? Deve saber, minha querida, que nem todos os casamentos são válidos.
Maria "Flor de Amor" pousou na farsante os grandes olhos azuis.
- Mas não no caso dele...
- E por que pensa assim? Admitamos o caso de que o barão tenha motivo válido para repudiar a mulher...
-Repudiá-la? Mas ele não fará isso, nunca! E eu rogarei ao céu, pedirei sempre a Deus, que ele jamais tenha motivos para se separar da esposa. Isso seria sua infelicidade e eu não desejo que ele seja infeliz!
- Mas se, por hipótese, ele novamente se tornasse livre - insistiu Renata - você não ficaria feliz, podendo casar-se com ele?
Em silêncio, Maria "Flor de Amor" agitou negativamente a cabeça.
- Não?! E por que não?
- Porque agora eu sei que seu amor por mim não foi nem fiel nem nobre!
- Por que pensa isso?
- Um homem que pode esquecer uma mulher a quem jurou fidelidade e eterno amor para conduzir outra ao altar, não se comportou nem com fidelidade nem com nobreza!
A marquesa Renata, estendida na cama, esticou as bonitas pernas e colocou-se numa posição da qual podia olhar a jovem mais atentamente.
- Talvez você esteja sendo injusta com ele, pois não sabe o que teria impedido que o tal barão a levasse ao altar em lugar da outra. E pense que ele, agora, será muito mais infeliz do que você!

2 comentários:

  1. Curioso para saber quais são as verdadeiras intenções de Renata. Acho que, sem querer, vai reaproximar Luiz Paulo e Maria. A história está muito interessante. Parabéns, Paulo!

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  2. Renata vai usar Maria para prejudicar e se vingar da filha, mas acho que Maria corre grande perigo, ainda mais ingênua como é! Paulo, estou gostando muito! Bjs.

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